O Globo, n. 32022, 09/04/2021, País, p. 8

 

Senado adia votação, e flexibilização de acesso a armas entrará em vigor

Julia Lindner

Leandro Prazeres

Melissa Duarte

09/04/2021

 

 

O Senado adiou a votação de quatro projetos que tinham como objetivo sustar os efeitos dos decretos em que o presidente Jair Bolsonaro flexibilizou o acesso a armas e munições. Os textos estavam na pauta de votação de hoje, mas foram retirados pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que atendeu a um pedido do relator, senador Marcos do Val (Podemos-ES), ligado à causa armamentista. As mudanças definidas pelo governo, portanto, vão começar a valer a partir da próxima segunda-feira.

Caso os projetos para derrubar as alterações previstas pelos decretos sejam votados posteriormente e aprovados, os decretos deixam de valer.

Um dos decretos aumenta de quatro para seis a quantidade de armas que um cidadão comum pode comprar. Profissionais da segurança pública poderão ter até oito equipamentos.

No início desta semana, o colégio de líderes do Senado chegou a um acordo para incluir na pauta a votação dos projetos, mas Marcos do Val convenceu Pacheco a não levá-los ao plenário hoje.

— O meu entendimento é de que este não é o momento para se votar esse tipo de matéria. Estamos em meio a uma pandemia e todos os esforços deveriam ser voltados para essa causa. É um assunto fora do contexto que estamos vivendo, estamos falando de vacinação, auxílio... Não é um assunto prioritário — afirmou o senador, complementando:

— O entendimento não é nem sobre o mérito dos decretos, mas sobre a constitucionalidade deles. Meu entender é de que eles são constitucionais e, por isso, não devem ser derrubados

Interlocutores do presidente do Senado afirmaram que ele concorda que o tema não é prioridade no momento e que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), indicou que também não teria intenção de pautar o projeto caso ele fosse apreciado pelos senadores.

Marcos do Val é instrutor policial e consultor na área de segurança. Em 2017, ele criou uma premiação para o setor armamentista patrocinado por fabricantes de armas como a Taurus e a CBC.

PARECER DERRUBADO

Em 2019, o deputado também foi relator de projetos de decreto legislativo para barrar uma primeira leva de decretos assinados por Bolsonaro sobre o assunto. Na ocasião, o parecer dele foi derrubado, e foram aprovados os projetos que visavam a barrar os decretos de Bolsonaro — na ocasião, o presidente recuou e editou novos textos, sem as flexibilizações anteriores.

A iminência de que os decretos entrem em vigor na próxima semana fez com que entidades que atuam na defesa dos direitos humanos reforçassem campanhas para pressionar parlamentares e o Supremo Tribunal Federal (STF) para a revogação dos textos.

Além dos projetos de decreto legislativo que tramitam no Senado, os decretos assinados por Bolsonaro são alvo de ações diretas de inconstitucionalidade no STF. As ações estão sob a relatoria da ministra Rosa Weber. Ela decidiu liberar os processos para serem julgados de forma virtual a partir da próxima sexta-feira.

Para a assessora especial do Instituto Igarapé, Michele dos Ramos, a entrada em vigor dos decretos representaria um retrocesso social grande e perigoso, especialmente, por conta da pandemia de Covid-19.

— Em um momento como esse, em que temos perdido tantas vidas para a Covid-19, não faz sentido que medidas que aumentem a quantidade de armas na sociedade comecem a vigorar. É importante que ou o STF ou o Senado deem uma resposta definitiva sobre isso antes que os decretos entrem em vigor — afirmou Michele.

O líder da minoria no Senado, Jean Paul Prates (PTRN), defendeu que o tema fosse analisado pelo plenário do Senado.

—Não faz sentido o argumento de que a pandemia não é o momento de votar sobre esses decretos. Então, a gente pode discutir privatização de estatais e não pode discutir flexibilização de armas —afirmou.