Correio Braziliense, n. 21.138, 09/04/2021. Opinião, p. 8

 

O alerta da “variante de BH”

09/04/2021

 

 

Do ambiente normalmente silencioso dos laboratórios da Universidade Federal de Minas Gerais vem um novo e preocupante grito de alerta para os riscos de avanço da pandemia de covid-19. Equipe do Laboratório de Biologia Integrativa do Instituto de Ciências Biológicas, em conjunto com o Setor de Pesquisa e Desenvolvimento do Grupo Pardini e com a colaboração do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ e da Prefeitura de Belo Horizonte, identificou aquela que parece ser uma nova variante do coronavírus, em circulação na capital e em outras cidades mineiras.

Ao sequenciar 85 genomas do vírus Sars-CoV-2 obtidos de amostras clínicas coletadas na Grande BH, os pesquisadores identificaram em dois conjuntos de genes 18 mutações até então desconhecidas, o que pode caracterizar nova cepa em circulação. O material que possibilitou a identificação foi colhido em dias diferentes (27 e 28 de fevereiro), de pessoas infectadas que não teriam ligação entre si, o que reforça a suspeita de que a possível nova variante esteja se difundindo.

Ainda não há informações sobre quais os efeitos dessas mutações sobre os infectados ou sobre a capacidade de disseminação do coronavírus, mas o risco de surgimento de variantes mais letais ou infecciosas enquanto a vacinação no país não avança na velocidade ideal é um alerta recorrente entre especialistas. Para uma população estimada em cerca de 212,9 milhões de habitantes, o Brasil ainda não passa da casa de 24 milhões de doses de vacina administradas, entre primeira e segunda aplicações.

O risco da demora na vacinação — estudo da Universidade Federal de Juiz de Fora indica que o país precisaria imunizar 2 milhões de habitantes por dia para controlar a pandemia em até um ano — se potencializa com a falta de controle na circulação da população e com os diferentes níveis de restrição adotados por estados e municípios do país. Sem uma coordenação nacional e com diretrizes estaduais muitas vezes questionadas por prefeitos, municípios que impõem regras mais rígidas a seus cidadãos sofrem com a pressão de vizinhos que optam pelo relaxamento — e que, muitas vezes, são dependentes dos sistemas de saúde de outras cidades.

Nesse cenário, o estudo liderado por pesquisadores mineiros, feito sobre amostras de uma ínfima parcela dos mais de 13 milhões de contaminados pelo novo coronavírus no país, surge como uma advertência sobre a possibilidade de muitas outras mutações desconhecidas estarem em desenvolvimento, com potencial de dano imprevisível. Mostra também que a velocidade do vírus não respeita critérios de tempo estabelecidos por um enfrentamento vacilante e descoordenado da pandemia.

Enquanto prefeituras adotam posturas mais ou menos restritivas, estados deliberam por fases e cores diversificadas para definir o nível de abertura de suas economias e o governo central segue criticando os demais entes federados em sua falta de sintonia, os alertas da ciência se acumulam. Ao mesmo tempo, o vírus se propaga rápido e em silêncio, com uma eficiência que seus combatentes não alcançam.

Passado mais de um ano de pandemia, o país e seus cidadãos, que, agora, morrem a uma proporção que avança pela casa dos milhares, seguem clamando por uma gestão unificada do desafio.(...)