Correio Braziliense, n. 21.138, 09/04/2021. Mundo, p. 10

 

Resposta à “epidemia”

Rodrigo Craveiro 

09/04/2021

 

 

ESTADOS UNIDOS » Presidente Joe Biden classifica de %u201Cvergonha internacional%u201D a violência armada no país, anuncia medidas para combater armamentos ilegais e defende veto de fuzis de assalto. Especialistas veem manobra importante da Casa Branca, ainda que tímida

Sob aplausos e diante de um público formado por ativistas e por familiares de vítimas de tiroteios em massa, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, advertiu: “A violência armada neste país é uma epídemia. Deixem-me dizer novamente: a violência armada neste país é uma epidemia, além de uma vergonha internacional”. “A cada dia, 316 pessoas são baleadas e 106 delas morrem. (…) Isso é uma epidemia, pelo amor de Deus, e tem que parar”, lamentou, pouco antes de se antecipar ao Congresso e anunciar seis ações para reverter a violência. O democrata ordenou ao Departamento de Justiça que, em um prazo de 30 dias, emita uma proposta de norma para ajudar a impedir a proliferação das “armas fantasmas” — sem número em série, produzidas de forma artesanal, e, algumas vezes, com a ajuda de impressoras 3D.

Em dois meses, o uso de estabilizadores para pistolas, que as transformam em rifles de cano curto, ficarão sujeitas à Lei Nacional de Armas de Fogo. A espécie de cinta desenhada como suporte de braço para estabilizar a pistola foi utilizada no atentado que matou dez pessoas no Colorado, no mês passado. Outra medida tomada por Biden visa permitir que familiares de potenciais vítimas ou agentes da lei solicitem ordem judicial que proíba temporariamente o acesso de pessoas às armas de fogo, caso esses cidadãos representem um risco.

Biden também defendeu a proibição das armas de assalto (incluindo fuzis) e o fim da imunidade no Congresso aos fabricantes. Esse tipo de armamento foi usado nos massacres na Escola Primária de Sandy Hook (Newtown, Connecticut), que deixou 26 mortos, em 14 de dezembro de 2012; e em um cinema na cidade Aurora (Colorado), com 12 mortos, em 20 de julho do mesmo ano.

Diretor executivo do Violence Policy Center (VPC, Centro de Políticas da Violência) — organização sediada em Washington —, Josh Sugarmann afirmou que as medidas anunciadas por Biden em relação às armas fantasmas e aos estabilizadores de pistolas são “passos importantes para gerenciar uma indústria armamentista fora de controle, que trabalha para minar as leis federais sobre armas sem se preocupar com a segurança do cidadão”. No entanto, ele reconhece que muito precisa ser feito. Segundo Sugarmann, a proliferação de armas fantasmas não rastreáveis, que escapam dos regulamentos federais, é caso de emergência nacional nos EUA. “Este tipo de armamento tem se tornado preferido dos criminosos e dos traficantes de armas ilegais. A regulamentação anunciada por Biden é essencial à segurança pública.”

Jaclyn Schildkraut, professor do Departamento de Justiça Criminal da Universidade Estadual de Nova York em Oswego, concorda com Sugarmann sobre as as decisões de Biden serem “um primeiro passo importante para o enfrentamento da violência armada nos EUA”. “A abordagem abrangente engloba diversos fatores subjacentes à violência armada, como mecanismos para prevenir o uso ilegal das armas, enquanto ainda mantém os direitos da Segunda Emenda da Constituição desfrutados por muitos cidadãos norte-americanos”, disse à reportagem.

Por sua vez, Gary Kleck — professor de criminologia e Justiça Criminal da Universidade Estadual da Flórida — considera as ordens executivas assinadas ontem como “puramente simbólicas”. “Elas foram presumivelmente destinadas a criar a impressão de que o governo age em relação ao controle de armas, em face do fato de que é improvável que qualquer projeto de lei importante seja aprovado pelo Senado”, admitiu ao Correio. “O tema das armas fantasmas é algo trivial. A falta de um número de série é quase totalmente irrelevante ao uso criminoso. Os defensores da proibição dessas armas notam que elas são difíceis, embora não impossíveis, de serem rastreadas pela polícia, mas tendem a ser vagos quanto ao motivo pelo qual armas rastreáveis reduzem o crime ou a violência”, afirmou ao Correio.

» Restrições limitadas

As principais medidas anunciadas ontem pela Casa Branca

Armas fantasmas

O presidente Joe Biden instruiu o Departamento de Justiça a emitir uma proposta de norma para “interromper a proliferação” das chamadas armas fantasmas — armas de fogo feitas à mão ou automontadas, que não possuem números de série.

Estabilizadores de pistolas

Pistolas modificadas com estabilizadores seriam cobertas por regulamentos da Lei Nacional de Armas de Fogo, a qual exigirá o controle e o registro das mesmas.

Agência de controle

Biden nomeou o ativista pró-controle de armas David Chipmar para comandar o Bureau de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos, agência desprovida de um diretor permanente desde 2015.

Programas de intervenção contra violência

Uma diretiva do Departamento de Justiça publicará leis de modelo “bandeira vermelha” para estados que permitem a remoção temporária de armas de pessoas consideradas de alto risco. Também exigirá um relatório abrangente sobre o tráfico de armas.

» Pontos de vista

Por Gary Kleck

Proibição ineficaz

“O governo federal tentou proibir as armas de assalto. O veto vigorou entre 1994 e 2004, mas não teve efeito mensurável sobre a violência ou o crime. Não há razão para esperar que seja mais eficaz desta vez. Em qualquer caso, é extremamente improvável que Biden consiga aprovar a medida no Senado. Verificações universais de antecedentes (incluindo em transferências privadas de armas) são uma boa ideia, mas também me parece que o Senado vai se opor.”

Professor de criminologia e Justiça Criminal da Universidade Estadual da Flórida

Por Jaclyn Schildkraut

Efeito contido

“A proibição de armas de assalto seria possível se fosse gerado apoio suficiente, considerando-se que os EUA têm um presidente democrata e maioria na Câmara e no Senado. O banimento anterior não surtiu efeito significativo na redução do crime em geral ou de homicídios por arma de fogo. Essa medida visaria a redução na ocorrência de tiroteios em massa, apesar de cerca de 75% dos incidentes serem perpetrados com pistolas. Os que envolvem armas de assalto tendem a ser mais letais.”

Professora do Departamento de Justiça Criminal da Universidade Estadual de Nova York em Oswego