Correio Braziliense, n. 21.139, 10/04/2021. Política, p. 2

 

Pressionado por CPI, governo vai ao ataque

Renato Souza

Ingrid Soares 

10/04/2021

 

 

Presidente faz duras críticas ao ministro por ordenar a instalação da CPI da Covid, no Senado, para investigar eventuais omissões do governo na pandemia. Magistrado diz que cumpre a Constituição e recebe apoio da Corte

O presidente Jair Bolsonaro deflagrou mais uma crise com o Supremo Tribunal Federal (STF). No dia seguinte à decisão do ministro da Corte Luís Roberto Barroso, que determinou a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para apurar eventuais omissões do governo no combate à covid-19, o chefe do Executivo disparou contra o magistrado.

Bolsonaro publicou nas redes sociais que o ministro “não tem coragem moral” para determinar abertura de impeachment contra seus pares. “Barroso se omite ao não determinar ao Senado a instalação de processos de impeachment contra ministro do Supremo, mesmo a pedido de mais de 3 milhões de brasileiros. Falta-lhe coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política”, escreveu numa rede social.

A apoiadores no Palácio do Planalto, Bolsonaro acusou o magistrado de atuar politicamente com a ala da “esquerda” no Senado para desgastar o governo. E mandou recado ao integrante do STF: “Use a sua caneta para boas ações em defesa da vida e do povo brasileiro, e não para fazer politicalha dentro do Supremo”. A reação do chefe do Planalto já era esperada. No entanto a expectativa é de que fosse menos contundente, pois o Executivo tentava se aproximar do STF.

Barroso dava aulas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) quando Bolsonaro fez as críticas. Ao tomar conhecimento do caso pela imprensa, disse que seguiu a Constituição. “Na minha decisão, limitei-me a aplicar o que está previsto na Constituição, na linha de pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e após consultar todos os ministros. Cumpro a Constituição e desempenho o meu papel com seriedade, educação e serenidade. Não penso em mudar”, alfinetou.

O STF, por sua vez, emitiu nota em defesa de Barroso. “O Supremo Tribunal Federal reitera que os ministros que compõem a Corte tomam decisões conforme a Constituição e as leis e que, dentro do Estado democrático de direito, questionamentos a elas devem ser feitos nas vias recursais próprias, contribuindo para que o espírito republicano prevaleça em nosso país”, diz o comunicado.

Na Corte, uma ala menor, puxada por dois ministros, defende que a ordem de instalação da CPI deveria ter ocorrido coletivamente, por conta da importância. Mas outros, menos próximos do Executivo e do Legislativo, avaliam que não teria como tomar uma decisão diferente, tendo em vista que os senadores conseguiram cumprir todos os requisitos constitucionais para iniciar as diligências.

Além de fazer discursos contra a vacina, no começo da pandemia, Bolsonaro e o agora ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello insistiram em recomendar o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus. Além disso, são acusados de omissão na crise da falta de oxigênio em Manaus. Por conta disso, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) fez o pedido para a abertura da CPI da Covid e obteve 32 assinaturas — de acordo com a Constituição, uma comissão parlamentar de inquérito deve ser criada se tiver apoio de pelo menos 27 parlamentares. A solicitação foi protocolada em 4 de fevereiro, mas como Rodrigo Pacheco resistia em instalar o colegiado, dois dos parlamentares que assinaram o pedido, Jorge Kajuru (GO) e Alessandro Vieira (SE), do Cidadania, recorreram ao STF. De acordo com a Constituição, a abertura do colegiado independe da vontade do Presidente do Senado.

Defesa

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), entidade que representa magistrados de todo o Brasil, publicou um texto repudiando as declarações de Bolsonaro contra Barroso. Ao Correio, o presidente da entidade, Eduardo Brandão, disse que as críticas não podem sair do campo institucional. “Qualquer autoridade pode ficar insatisfeita com uma decisão. É normal, mas o que não podemos tolerar é agressões pessoais a juízes. Dizer que vai recorrer faz parte do jogo democrático… Só existe democracia com a Justiça fazendo seu papel”, enfatizou.

A tensão ocorre uma semana após a escalada de conflitos institucionais do governo com as Forças Armadas, que levaram à queda do então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e dos comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica.

CPI da Covid

» Quórum necessário para a instalação

   27 assinaturas

» Apoios obtidos

   32 senadores assinaram

» Duração

   90 dias

» Objetivo

    Apurar ações e omissões do governo federal na pandemia

» Ações possíveis

» Quebras de sigilo telefônico, bancário, fiscal, de e-mail

e dados

» Oitiva de testemunhas e qualquer autoridade

» Solicitação de perícias, exames, laudos e auditorias

» Solicitação de funcionários de qualquer poder, inclusive policiais para as diligências

» Pedido ao Ministério Público de indiciamento de investigados