O Globo, n. 32023, 10/04/2021, Sociedade, p. 9

 

Associação cria critérios para médicos escolherem pacientes na fila da UTI

Guilherme Caetano

Thiago Herdy

10/04/2021

 

 

A Associação Médica Brasileira (AMB) apresentou ontem protocolos éticos para orientar médicos que se vejam obrigados a decidir qual paciente deve receber tratamento em caso de escassez de leitos, insumos ou equipamentos nos hospitais.

A orientação chega em meio ao colapso do sistema de saúde por causa da pandemia da Covid-19, com 6,3 mil pessoas na fila para uma vaga na UTI no país no fim de março, segundo balanço do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). A maior parte dos governos estaduais têm evitado tornar públicos os protocolospara atendimento a pacientes nos hospitais lotados. A AMB definiu um sistema de pontuação, com indicadores de saúde do paciente, pelo qual o médico deverás e basear para selecionar quem terá a prioridade no tratamento. O método serve tanto para pacientes de Covid quanto para os de outras doenças, que "concorrem" pelo atendimento.

A pontuação é resultado da soma de três critérios: o chamado "Sofa" (sigla em inglês para Avaliação de Falência de Órgão Sequencial), o escore mais utilizado em Unidades de Tratamento Intensivo, que avalia as funções respiratória, hematológica, hepática, cardiovascular e neurológica do paciente; a presença de comorbidades avançadas no paciente; eo"Ecog",esc ala utilizada param ediraqu alidade de vida do enfermo. A associação descartou a recomendação do critério de idade para triar os pacientes. Também disse que precisou antecipara publicação dos protocolos, em razão do avanço da pandemia, eque a ausência de um sistema de triagem apropriado, quando medidas de contingência forem esgotadas, pode contribuir com o aumento de mortes "desnecessárias". "Outro objetivo que norteia a necessidade dessep roto coloéo de proteger os profissionais que estão na linha de frente do cuidado ao retirar de suas mãos a responsabilidade de tomar decisões emocionalmente e moralmente exaustivas", afirma o documento, que deve começou a orientar médicos de todo o país a partir de ontem. César Eduardo Gomes, presidente da AMB, diz que o documento já existia, mas que precisou ser rediscutido pela situação atual da crise no país: — A Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira) enviou esse documento para a gestão anterior da AMB, mas, por alguma razão, ele não prosperou. Achamos por bem novamente trazer o assunto. Para Gomes, os protocolos terão "acolhimento quase universal". Ele afirmou que não se trata de um documento "imperativo, nem salvaguarda para decisões equivocadas, mas normativo, orientativo".

MEDIDAS NOS ESTADOS

Suzana Lobo, presidente da Amib, afirmou que a associação vem alertando há meses sobre a necessidade de abertura de novos leitos de UTI como "principal medida de mitigação da pandemia" implementada por governos estaduais e prefeituras.

— A pandemia deveria ter sido controlada fora dos Hospitais. Agora chegamos numa situação em que o atendimento à população não é mais digno e suficiente para todos —declara. Sem protocolos claros definidos pelos estados, o esgotamento do sistema obrigou gestores da saúde a decidirem sobre o acesso às poucas vagas disponíveis. Das 27 unidades de federação consultadas semana passada pelo GLOBO sobre o tema, oito relataram o protocolo adotado. Deles, apenas Santa Catarina e Rio Grande do Norte reconheciam a adoção de ação específica e detalhada com prioridades para atendimento. Os dois estados adotam um modelo de pontuação para verificar pacientes com mais chance de viver e com autonomia. O Espírito Santo informou que prepara documento semelhante, a ser divulgado nos próximos dias. O presidente da Associação

Brasileira de Medicina de Emergência (Abramede), Hélio Penna Guimarães, diz que a atitude da AMB em divulgar os protocolos foi "no sentido de construir um documento para orientar adequadamente o que fazer em determinadas situações": —Não tem poder de lei, mas é baseado nas melhores orientações científicas para otimizar recursos e direcionar quem está na linha de frente. A associação manifestou preocupação com o estágio da pandemia, sobretudo pelas novas variantes, de maior capacidade de contaminação. Em um período de 12 semanas, a P .1, de Manaus, elevou a representatividade nos casos da capital paulista de 0% para 91%. A estimativa é baseada em amostras de vírus de pacientes do Hospital São Paulo, ligado à Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).