O Globo, n. 32023, 10/04/2021, Economia, p. 15

 

Ofensiva do parlamento

Manoel Ventura

Geralda Doca

Fernanda Trisotto

10/04/2021

 

 

Enquanto governo e Congresso tentam costurar um acordo político para destravar o Orçamento deste ano, dois documentos concluídos ontem pelas consultorias técnicas da Câmara e do Senado rebatem um dos principais argumentos da equipe econômica para recomendar que o presidente Jair Bolsonaro vete trechos da proposta. As duas notas técnicas afirmam que Bolsonaro não corre risco de cometer crime de responsabilidade caso sancione o texto da forma como foi aprovado pelo Legislativo. Essa é a posição defendida pelos parlamentares na disputa com a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, e de parte do governo. Os documentos foram divulgados no dia seguinte a Bolsonaro entrar diretamente na articulação política para resolver o impasse do Orçamento e chamar o presidente da Câmara, Arthur Lira( P P-AL ), para uma conversa sobre o assunto. As notas técnicas rechaçam expressamente a hipótese de crime de responsabilidade na sanção, mas admitem a necessidade de corrigir o Orçamento. Os textos foram elaborados apedido de senadores e deputados para reba teros argumentosdos técnicos da equipe econômica. O entendimento expresso nos pareceres, no entanto, já vinha sendo adotado por consultores, que acompanharam todo o processo de elaboração da proposta. "A despeito de eventuais divergências com relação às despesas aprovadas no Ploa (Projeto de Lei Orçamentária Anual) 2021, não se identificou conduta tipificada como crime de responsabilidade em razão de sanção ouve todo projeto de lei ", diz anotado Senado.

ATO DE CARÁTER POLÍTICO

Os técnicos do Ministério da Economia argumentam que o Congresso reduziu irregularmente a previsão de despesas obrigatórias para aumentar emendas parlamentares. E que sancionar o Orçamento desta forma poderia gerar um processo contra Bolsonaro, abrindo margem para o impeachment do presidente. Esse é o entendimento que deve ser formalizado nos pedidos de veto a serem encaminhados pelo Ministério da Economia ao Palácio do Planalto. Os técnicos da Câmara ainda preparam uma outra nota para embasar a posição dos deputados, que deve ser usada pelo presidente da Casa.

Lira é o principal defensor da necessidade de sancionar o Orçamento sem vetos e só corrigi-lo no futuro. Essas notas devem ser usadas para pressionar Bolso na roa não vetar o Orçamento e ajustaras despesas obrigatórias depois. Os textos foram concluídos de forma conjunta pelas duas Casas como forma de demonstrar alinhamento das consultorias. O argumento usado pelos técnicos do Senado é que, pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), sanção e veto são atos do caráter político do processo legislativo: "A sanção não poderia isoladamente ser considerada crime de responsabilidade, devendo atos seguintes, devidamente tipificados, serem observados na execução orçamentária". O Orçamento aprovado aumentou em R$ 26,4 bilhões (para R$ 49 bilhões) o valor destinado a emendas parlamentares. Para isso, cortou nessa proporção a estimativa de gastos obrigatórios, como Previdência, abono salarial e seguro-desemprego. No entanto, somente R$ 7,4 bilhões eram passíveis de cancelamento, porque se referiam a despesas com abono salarial, que foram adiadas para 2022. O dinheiro das emendas extras é destinado para parlamentares apontarem obras e serviços em suas bases eleitorais.

A equipe de Guedes defende o veto do presidente Bolsonaro aos R$ 26,2 bilhões e o envio de um projeto de lei com valor menor para as emendas e para recompor os gastos obrigatórios. Lideranças aliadas ao Palácio do Planalto, por outro lado, querem movimento oposto: a sanção sem vetos e o cancelamento de parte das emendas pelo relator, Márcio Bittar (MDBAC), em seguida. Bolsonaro pretendia decidir o assunto ontem, mas a tendência agora é que uma solução para o impasse ainda se arraste por mais alguns dias. Ele tem até o dia 22 para sancionar ou vetar o Orçamento. A instalação da CPI da Pandemia no Senado atrasou as discussões. A avaliação é que a abertura da CPI, determinada pelo Supremo Tribunal Federal, deixou o governo mais fragilizado na relação com o Congresso.

CORREÇÃO DE ERRO

Ricardo Volpe, um dos consultores que assinam o parecer da Câmara, explicou que um dos objetivos do documento é mostrar que o presidente Bolsonaro pode sancionar o Orçamento sem ser responsabilizado por crime fiscal:

— O presidente tem como corrigir. Se ele não tomar providências para corrigir as despesas obrigatórias, que estão subestimadas, não poderá editar decretos, porque o teto de gastos (que limita o aumento das despesas à inflação) e a meta fiscal estarão comprometidos. Neste caso, ele poderia incorrer em crime fiscal. Apesar do parecer favorável à sanção da proposta, Volpe disse acreditar que a tendência é o Executivo adotar um mix de medidas, com vetos parciais e contingenciamento do Orçamento. O presidente deverá cancelar algumas emendas de seu interesse e os R$ 10 bilhões de emendas parlamentares já autorizadas pelo relator. Bolsonaro terá de corrigir também erro atribuído à equipe econômica, que deixou de ajustar na proposta original os parâmetros referentes ao reajuste do salário mínimo, com impacto nos benefícios previdenciários e no abono salarial. O volume é de cerca de R$ 10 bilhões.