Correio Braziliense, n. 21.140, 11/04/2021. Cidades, p. 15

 

Luta para sobreviver é diária

11/04/2021

 

 

Marcelo Alves, 27 anos, veio para o Distrito Federal há seis anos. Morador de uma cidade no sul da Bahia, ele acreditava na promessa de que teria emprego e boas condições de trabalho em uma chácara na zona rural de Brasília. O trabalho, entretanto, tinha características análogas à escravidão. De domingo a domingo, ele cuidava da terra e morava em um barraco de madeirite. Era obrigado a ir a uma igreja e ficou preso.

O baiano abandonou a situação e tentou se firmar na cidade. Conseguiu um emprego e começou um relacionamento. Há pouco mais de dois anos, porém, descobriu, repentinamente, a morte do pai. "Eu liguei para dizer que estava bem, vivo, e me disseram que ele tinha morrido havia cinco dias", conta Marcelo. Desestabilizado, entrou em crise e se envolveu com drogas. Perdeu o relacionamento e ficou sem direção.

Diante das dificuldades, Marcelo ficou nas ruas. Passou fome, frio e sofreu com o olhar preconceituoso da sociedade. "Fui tratado como marginal. Os olhares eram de desprezo. Foi o que eu senti. As pessoas pensam: 'Se ele está nessa situação, é porque fez uma coisa errada, está pagando pelos pecados'".

Inconformado com a realidade, ele pediu ajuda, recentemente, ao Centro de Atenção Psicossocial (Caps) e foi encaminhado a uma casa de passagem, em Taguatinga, gerida pelo Instituto Tocar com apoio da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes). "Fui o primeiro acolhido. Eles me receberam com palmas, foi bastante emocionante. Eu me senti especial, abraçado. Vi que, agora, tem um bocado de gente disposta a me ajudar", ressalta.

Com apoio psicológico, Marcelo trata das feridas que o tempo nas ruas deixou e acredita em um futuro melhor. Planeja conseguir emprego como vigilante, quer se especializar, fazer cursos e ter carteira assinada para garantir os direitos trabalhistas. Está em processo de obter a documentação pessoal que tinha. O sonho maior, no entanto, é voltar a ver a mãe. "Hoje, tenho vergonha de procurá-la. É triste ter de mostrar a ela o filho em um momento de dificuldade. Espero que Deus me dê a oportunidade de trabalhar e encontrá-la", completa Marcelo.

Socorro

A vendedora Iracema da Silva, 51, é uma entre os milhares de brasilienses que dependem, atualmente, dos auxílios governamentais para sobreviver com dignidade. No início da pandemia, ela teve covid-19 e ficou 26 dias intubada. Recuperada, apesar de algumas sequelas, teve de sair do trabalho para conseguir cuidar dos três netos que moram com ela, pois não tinha condições de contratar alguém para ficar com as crianças.

Moradora de Samambaia, ela procurou o conselho tutelar da região e foi encaminhada para o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) mais próximo. Lá, recebeu atendimento e descobriu que precisaria de dois auxílios: para o aluguel — válido por seis meses — e do cartão Prato Cheio. "Quando saí do trabalho, pensei: como vou dar comida para as crianças? Com certeza, se não fossem esses benefícios, não sei o que seria dos meninos. Não tenho ninguém para me ajudar. Estaria bem complicado", conta Iracema.