Correio Braziliense, n. 21.141, 12/04/2021. Política, p. 2

 

Aposta no desgaste para derrubar Guedes

Ingrid Soares

Israel Medeiros 

12/04/2021

 

 

PODER » Embate por causa do fechamento do Orçamento de 2021, histórico de intransigência e dificuldades em dialogar com o Congresso colocam o ministro na berlinda. Centrão quer vê-lo longe da Esplanada ou com a pasta retalhada para abrigar nomes indicados pelo grupo

Por causa das trocas no primeiro escalão do governo nas últimas semanas e após todo o desconforto gerado com as falhas no Orçamento da União para 2021, o ministro da Economia, Paulo Guedes, está pressionado. A guerra em torno do Orçamento foi apenas mais um capítulo de uma gestão que está aquém do que o próprio Guedes — que coleciona desgastes — desejava.

Na recente reforma ministerial e na dança de cadeiras, com Flávia Arruda na Secretaria de Governo, o Centrão emplacou um representante de significativa importância no primeiro escalão. O objetivo, agora, consiste em retirar Guedes do comando ou no esvaziamento da pasta da Economia, ao fatiá-la em Planejamento, Previdência, Trabalho e Indústria e Comércio.

A confusão em torno do Orçamento de 2021 é vista como uma falha na articulação política devido ao enfraquecimento da equipe econômica, que não conseguiu barrar a manobra que busca burlar as regras fiscais e pode desembocar em um rombo do teto de gastos em mais de R$ 30 bilhões. Some-se a isso a intransigência de Guedes como mais um fator de irritação do Congresso com ele. Na última sexta-feira, ele admitiu erros da equipe econômica nas negociações, mas apontou o dedo também para os parlamentares. "Houve equívocos de um lado e de outro. Todo mundo está junto no erro", pontuou.

Creomar de Souza, analista de risco político da Consultoria Dharma, ressalta o descontentamento da classe política e empresarial com o ministro. Porém aponta que tudo dependerá de como Guedes enfrentará o momento. "O parlamento deseja uma função mais ativa. O fato de o Orçamento ser considerado uma obra de ficção causa enorme descontentamento dos parlamentares com Guedes. Resta saber se o ministro consegue atravessar mais essa tempestade, porque ele já passou por algumas. Caso não consiga, provavelmente haverá uma pressão dessa base parlamentar do governo para impor um novo nome", destaca.

Choque no horizonte
Creomar antecipa que, nos próximos dias, haverá um choque ainda maior entre o ministro e os parlamentares. "Eles têm tentado assumir o controle do Orçamento. Isso foi dando o tom do desenho final do processo e também tem gerado dificuldade para o ministro", salienta.

"Nos últimos dois anos, o que observamos foi um ministro que vinha a público estabelecer algumas promessas ou parâmetros que não se tornaram realidade. Isso vai minando a credibilidade. É possível dizer que, hoje, Guedes tem menos prestígio entre empresários, e talvez com o próprio presidente da República, do que em janeiro de 2019. Agora, isso é suficiente para que seja trocado? Jair Bolsonaro gosta de decisões tático-intuitivas, mas esse também não é o primeiro momento difícil que Guedes passa no ministério", observa.

Para Vera Chemim, especialista em direito constitucional e mestre em administração pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), tem sido complicado para o ministro lidar com as demandas de estados e municípios por recursos para combater a pandemia e com as despesas destinadas às emendas parlamentares concedidas pelo presidente. Mas, segundo ela, na visão do Centrão, o ministro é um obstáculo para a ampliação dos seus poderes políticos.

"Partindo do pressuposto de que persiste uma crise orçamentária e financeira de sérias consequências no curto e médio prazos, Guedes será, obviamente, o bode expiatório do Centrão, como forma de minar o seu poder e substituí-lo por outro de seu interesse", avalia.

Essa também é a análise de Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, que vê os parlamentares interessados em um eventual desmembramento do Ministério da Economia. Mas, apesar dos problemas, ele considera que Guedes "ainda é um símbolo de gestão econômica responsável". Uma eventual troca no ministério, observa, poderia causar mais incertezas num ambiente convulsionado.

"O Centrão vai querer compartilhar o poder e gostaria de posições adicionais, e há pressão por desmembramento (do Ministério da Economia). Como os custos são mais altos que os benefícios, apesar da pressão, o Poder Executivo não se mexe. Guedes é o que dá estabilidade ao governo nesse momento. Uma marca da gestão econômica é a responsabilidade, e as lideranças políticas estão alinhadas em ter gestão econômica responsável", defende.

O deputado federal Afonso Florence (PT-BA) vê uma tendência de desmoralização do ministro. Para ele, é uma questão de tempo até que o ministro seja substituído, especialmente depois da nota de economistas e banqueiros cobrando uma postura mais séria do governo na pandemia.

"Quem se aproxima do governo, agora, não é mais esse PIB de grande envergadura, mas empreiteiras de segunda categoria que entram nesses leilões com subestimação de preço. Voltou a ser o que era, e sempre foi, o Estado brasileiro. Agora, quem negocia com o mercado financeiro é o ministro da Infraestrutura (Tarcísio Gomes de Freitas). Acho que os dias do Guedes estão contados", prevê.

Frases

"Foi um ministro que vinha a público estabelecer algumas promessas que não se tornaram realidade. Isso vai minando a credibilidade "

Creomar de Souza, analista político

"Quem negocia com o mercado financeiro é o ministro da Infraestrutura . Acho que os dias do Guedes estão contados"

Afonso Florence, Deputado fedderal (PT-BA)