Correio Braziliense, n. 21.141, 12/04/2021. Mundo, p. 10

 

China defende mistura de vacinas

Paloma Oliveto

12/04/2021

 

 

Pela primeira vez, Pequim admite que a eficácia do principal imunizante desenvolvido no país, CoronaVac, é mais baixa que a obtida por fármacos à base de material genético. Para fortalecer a resposta imunológica, o país deve investir na estratégia do reforço heterólogo
Paloma Oliveto

 

O presidente do Centro de Controle de Doenças (CDC) da China, Gao Fu, afirmou que o país considera combinar duas vacinas diferentes para a covid-19, na tentativa de se obter um índice de proteção mais elevado. Em entrevista coletiva, em Chegndu, o virologista disse, pela primeira vez, que a eficácia das "vacinas existentes não é alta". Por isso, segundo ele, uma opção seria aplicar uma dose dos imunizantes à base de vírus inativado — a plataforma da CoronaVac —, seguida pela injeção de uma substância de mRNA, como a da Pfizer e a da Moderna, que têm eficácia acima de 90%. A outra opção, disse Gao Fu, seria ajustar a dosagem, o intervalo entre as aplicações ou mesmo o número de doses, passando das atuais duas para três.

A estratégia de misturar tecnologias distintas chama-se reforço heterólogo e, no ano passado, foi aprovada por agências europeias para proteção contra o vírus Ebola. As vacinas experimentais para o HIV também costumam usar essa abordagem. A ideia é obter uma resposta imunológica — tanto no estímulo de anticorpos neutralizantes quanto na produção de células T, que matam as infectadas — mais forte.

A eficácia global, que mede a capacidade de se evitar a doença comparando pessoas que receberam o imunizante com as do grupo placebo — da CoronaVac variou de 50,4% (estudo no Brasil) a 83,5% (pesquisa na Turquia). "Os níveis de anticorpos gerados por nossas vacinas são menores do que as vacinas de mRNA, e os dados de eficácia também são menores. Acho que é uma conclusão natural que nossas vacinas inativadas e com vetor de adenovírus são menos eficazes do que as vacinas de mRNA", disse Tao Lina, especialista em vacinas de Xangai que também esteve presente na entrevista, concedida no sábado.

Ontem, um artigo divulgado na plataforma on-line SSRN pelo Instituto Butantan, que produz a vacina chinesa em São Paulo, informou que, nos 9.823 voluntários vacinados com duas doses, a eficácia global foi de 50,7%. No período estudado, 235 pessoas adoeceram de covid-19, sendo 85 no grupo imunizado e 168 no placebo. Um subgrupo da pesquisa indicou que a CoronaVac pode proteger mais quando o intervalo entre as injeções passa de 14 para 28 dias: 62,3%. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a eficácia mínima de uma vacina deve ser de 50%. Esse é o caso, por exemplo, do imunizante para gripe (50% a 60%).

 

Estudos

A estratégia citada por Gao Fu, de combinar tecnologias distintas, ainda não foi testada em humanos no caso da covid-19. Por enquanto, estudos em animais sugerem que o reforço heterólogo pode fortalecer a resposta imunológica. Um deles, divulgado na plataforma de pré-publicação (quando ainda não há revisão por outros cientistas) bioRxiv no fim de janeiro mostrou que a combinação da vacina de RNA com a da AstraZeneca produziu mais anticorpos e células T em camundongo do que um ou outro imunizante sozinho. Em fevereiro, a Universidade de Oxford anunciou que está para começar um estudo que vai avaliar o reforço heterólogo, usando a substância desenvolvida com a AstraZeneca e a de mRNA da Pfizer.

"Dados os desafios inevitáveis de imunizar um grande número da população contra a covid-19 e potenciais restrições de fornecimento global, há vantagens em ter dados que poderão apoiar um programa de imunização mais flexível, se necessário e se aprovado pelos órgãos reguladores de medicamentos", disse, em nota, Jonathan Van-Tam, responsável sênior pelo estudo. "Também é possível que, ao combinar vacinas, a resposta imunológica possa ser aumentada, dando níveis ainda mais elevados de anticorpos que duram mais. A menos que isso seja avaliado em um ensaio clínico, simplesmente não saberemos", continuou. Ainda não foi divulgada a data de início da pesquisa, que vai durar 13 meses.

Na entrevista coletiva, o especialista Tao Lina destacou que quem já tomou as duas doses da CoronaVac ou de outra vacina inativada poderá ser aconselhado a tomar uma injeção baseada no material genético do vírus. "No entanto, a vacinação deve ser realizada a todo vapor. Não devemos esperar até que uma vacina perfeita esteja disponível", disse. No fim do ano passado, o país asiático anunciou a construção da primeira fábrica de imunizantes de mRNA com tecnologia nacional. Segundo Gao Fu, a abordagem poderá ser utilizada na pesquisa de substâncias para outras doenças, como HIV/Aids e câncer.