Correio Braziliense, n. 21.141, 12/04/2021. Opinião, p. 9

 

Ivelise Longui: a cidade e a covid-19: um novo olhar

Ivelise Longui

12/04/2021

 

 

O intenso processo de urbanização que vem ocorrendo no Brasil e no mundo, tem acarretado uma forte desorganização espacial e uma consequente e dramática mudança no padrão social da pobreza, agravado pelo atual cenário da pandemia da covid-19. O descontrolado adensamento das periferias e a precariedade de saneamento básico e da mobilidade urbana têm evidenciado o despreparo das nossas cidades no campo habitacional e urbanístico. Influenciado pela covid-19, assiste-se ao empobrecimento vertiginoso da população, ao desemprego e à precariedade do sistema de saúde. Aliado a esses fatores, temos presenciado uma alta de preços a reboque do aumento do dólar, acentuando mais as disparidades sociais.

A qualidade da moradia influi diretamente no desenvolvimento das pessoas que, somada à saúde e à educação, constitui o que se considera o "mínimo social", um direito básico da cidadania. Como conciliar esse momento de pandemia, em que se cobra isolamento social e maiores cuidados com a higiene, se a grande maioria da população não tem condições decentes de habitabilidade e transporte?

O desenvolvimento de um país não se faz apenas pela quantidade de bens que a sociedade produz, como também pela qualidade da atenção que damos à nossa gente. Precisamos tornar nossas cidades mais resilientes, capazes de se recuperarem após fortes impactos climáticos, sociais, políticos e sanitários como a atual pandemia. É urgente dotá-las de melhorias na infraestrutura urbana e no seu processo de gestão, que permita mitigar os efeitos de situações adversas e aumentar sua capacidade de regeneração, com mais agilidade da máquina pública e políticas urbanas de médio e longo prazos.

O Estado parece ter exaurido sua capacidade de gestão financeira e fiscal, causando, por consequência, o enfraquecimento das instituições e o descrédito por parte da população. A crise econômica tem sido agravada por uma crise política polarizada, quando se deveria estar de mãos dadas, respeitando as diferenças e buscando em conjunto saídas mais rápidas que garantam o bem-estar de todos. É preciso reforçar o seu papel como regulador e gerenciador de ações, de maneira a gerar estabilidade institucional e garantir à iniciativa privada a credibilidade para investir e participar de programas sociais. Torna-se essencial apostar no planejamento urbano.

Brasília, perto de completar 61 anos, exerce uma crescente influência no cenário nacional como polo de desenvolvimento, mas com um acirrado grau de desigualdade socioespacial entre o centro dinâmico e uma periferia pobre e dependente do DF. O elevado custo da terra urbanizada fragmenta cada vez mais a malha urbana e intensifica a dualidade entre a cidade formal e informal, a distância do emprego e significativas dificuldades de acessibilidade ao transporte e aos serviços básicos.

A revisão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF (Pdot), uma das pautas do atual governo, é uma oportunidade para, a partir do aprendizado com a pandemia, com o sofrimento, mas também com a solidariedade, mostrar a nossa capacidade de transformar, de construir um legado e garantir uma consciência mais coletiva e uma cidade mais justa. Ele é um instrumento que definirá as políticas de desenvolvimento urbano para o DF nos próximos 10 anos, e é fundamental a parceria de sociedade e governo nas discussões.

Outro fator relevante reside na conscientização individual, na percepção de como a atitude de poucos reflete na grande maioria. É necessário entendermos que somos frutos das nossas atitudes, o que pode ser positivo ou extremamente negativo. É vital a vontade política, uma gestão pautada em evidências, dados oriundos do desenvolvimento da tecnologia, menos ideologia e mais humanidade. (...)

IVELISE LONGHI - Arquiteta e ex-secretária de Desenvolvimento Urbano e Habitação