O Globo, n. 32024, 11/04/2021, País, p. 12

 

Entrevista – Eduardo El Hage: “há movimentos para conter  avanços da força-tarefa”

Eduardo El Hage

Chico Otavio

11/04/2021

 

 

O fim da força-tarefa da Lava-Jato no Rio, em março, não representa uma trégua aos agentes públicos envolvidos em corrupção, diz o procurador da República Eduardo El Hage.

Depois de coordenar por cinco anos o grupo do Ministério Público Federal no Rio que prendeu o ex-governador Sérgio Cabral, entre mais de 300 pessoas que integravam esquemas criminosos no estado, El Hage assume agora, por dois anos, o comando do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) no âmbito do MPF-RJ.

Quais são as suas expectativas no Gaeco federal?

Vamos ampliar as linhas de investigação produzidas nas ações da 7ª Vara Federal Criminal, com os casos do ex-governador Sérgio Cabral e da construção da usina nuclear de Angra 3. Podemos atuar agora em corrupção em estatais, crimes financeiros, tráfico internacional de armas e drogas e outros da esfera federal.

O chamado caso "Vaza-jato" atrapalhou as operações anticorrupção no Rio?

No Rio, apesar de termos sido vítimas de tentativas de ataques, não tivemos os dispositivos invadidos. Quanto às mensagens, é difícil atestar a cadeia de custódia da prova. Tanto no material divulgado pelos hackers quanto na Operação Spoofing, houve violação da cadeia de custódia. Nessas condições, os invasores podiam fazer o que quisessem com o conteúdo. Material sem validade jurídica.

O senhor identifica alguma ação orquestrada para esvaziar a Lava-Jato?

Há um movimento para conter alguns avanços originado de frentes no Legislativo, Executivo e Judiciário. Alguns até com bons propósitos, como a decisão do ministro Gilmar Mendes (do STF) de restringir a condução coercitiva, uma medida acertada para preservar o direito do acusado. Mas outras medidas impuseram um prejuízo grande.

O que representou a prisão de Sérgio Cabral?

O afastamento da política fluminense do líder de uma grande organização criminosa, que comandou esquemas que tinham braços na Alerj, no Ministério Público do Estado do Rio, no Tribunal de Contas do Estado, em secretarias e empresas de ônibus. As operações mostraram que havia um jogo de cartas marcadas com o dinheiro público. O problema se repetiu com o governo estadual no ano passado. Nossas operações, pelo visto, não tiveram o esperado efeito dissuasório.

Por que os corruptores fluminenses não recuaram?

No Brasil, a impunidade ainda é regra. Há uma dualidade entre prisões preventivas e impunidade absoluta. O dito pacote anticrime aumentou garantias individuais, especialmente, nos crimes de colarinho branco, mas falhou em não prever a possibilidade de prisão após julgamento em segunda instância. Hoje, temos, então, restrições a prisões preventivas e um sistema que impõe o esgotamento de quatro instâncias para o cumprimento de pena.

Como vê os ataques que a Lava-Jato recebeu?

Setores da esquerda veem o combate à corrupção como uma bandeira da direita e afirmam que o mal do Brasil é a desigualdade social. Ocorre que nenhuma política pública é capaz de ser implementada se o governador, a Assembleia Legislativa e o Tribunal de Contas estiverem mais preocupados em se locupletar de recursos públicos do que de criar programas sociais. Não haverá redução da desigualdade social enquanto a política for povoada por pessoas que têm uma única bandeira: a própria.