O Globo, n. 32025, 12/04/2021, Economia, p. 17

 

Conselhos de estatais têm mudanças em série sob pressão do governo

Fernanda Trisotto

Bruno Rosa

12/04/2021

 

 

A interferência do presidente Jair Bolsonaro nas principais estatais está se materializando em mudanças nos conselhos de administração de Banco do Brasil, Eletrobras e Petrobras, que estão entre as maiores empresas brasileiras listadas na Bolsa. Saem conselheiros de perfil mais técnico e independente, entram mais alinhados ao governo.

A União já indicou ou está prestes a apontar ao menos dez novos conselheiros para as três estatais. Sete integrantes dos colegiados pediram demissão nos últimos meses, alguns manifestando abertamente desconforto com o que consideram riscos à governança corporativa das empresas.

Hoje, a Petrobras realiza uma assembleia de acionistas para renovar sua cúpula. Além de novos conselheiros, a estatal deve oficializara nomeação do general Joaquim Silva e Luna para presidira estatal no lugar de Roberto Castel lo Branco. Ele teve a demissão pedida em fevereiro por Bolsonaro, insatisfeito com aumentos de combustíveis, o que causou perda no valor de mercado da estatal na Bolsa. A indicação é investigada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

 

VETO DO COMITÊ DE PESSOAS

Em seguida, os presidentes do BB, André Brandão, e da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr., pediram demissão. O primeiro foi duramente criticado por Bolsonaro por um plano de fechamento de agências e redução de pessoal. O segundo demonstrava insatisfação com o atraso na privatização da estatal de energia.

Na Eletrobras, um conselheiro pediu demissão por não concordar com aforma como foi escolhido o sucessor de Ferreira Jr. No BB, a União vai mudar todo o conselho em assembleia no dia 28. Indicado para o lugar de Brandão, o novo presidente do B B, Fausto Ribeiro, sinalizou numa carta aos funcionários que atuará de forma “integrada e sinérgica” com o governo, mas interesses do Planalto podem em alguns casos contrariar os das empresas e de acionistas minoritários.

Na Petrobras, João Cox Neto, Nivio Ziviani, Paulo Cesar de Souza e Silva e Omar Carneiro da Cunha, indicados pelo governo para o colegiado, recusaram a recondução na assembleia de hoje, que promete ser agitada. Há um movimento de acionistas minoritários para ampliar de 11 para 13 o número de cadeiras do Conselho de Administração, como forma de ganharem mais espaço par afazer frente ao apetite intervencionista do governo.

Dos onze conselheiros atuais, sete são indicados pela União, três são representantes dos minoritários e um é eleito pelos empregados. Hoje, os acionistas trocam oito. O colegiado renovado vai destituir formalmente Castello Branco e nomear o novo presidente.

Entre os oito candidatos inscritos pelo governo para o conselho está o general Silva e Luna, também indicado porBol sonar opara presidira estatal. Uma vez conselheiro, poderá ser apontado presidente. Os acionistas minoritários indicaram quatro nomes.

A assembleia também renovará o Conselho Fiscal. No sábado, a Petrobras informou à CVM que o seu Comitê de Pessoas apontou objeções a 11 do total de 17 candidatos para os dois colegiados, com dois considerados inelegíveis. Membro do comitê, o advogado Leonardo Antonelli, conselheiro indicado pelos minoritários à recondução, considerou que Marcio Andrade Weber, candidato da União, e Pedro Rodrigues Galvão de Medeiros, apontado por fundos de investimentos minoritários, não poderiam concorrer por terem relações com a estatal há menos de três anos, quarentena mínima prevista.

Em seu voto, apontou que Weber foi diretor da Petroserv, fornecedora de sondas da Petrobras, até agosto de 2020, e Medeiros, diretor do Citibank até dezembro de 2020, banco responsável pela operação que resultou na privatização da BR

Distribuidora. O conselheiro votou contra outros dois indicados da União e um dos minoritários, mas foi vencido. A recomendação do comitê não tira os concorrentes, mas a falta de consenso já antecipa a tensão que deve marcar a reunião.

 

MENOS AUTONOMIA

Para especialistas, ainda que haja nomes técnicos entre os indicados pelo governo, as mudanças nos conselhos refletem a intenção de reduzira autonomia na gestão das estatais, aumentando o risco de uso político. Interferências do governo ferem a Lei das Estatais, criada após a Operação Lava-Jato, que prevê atuação independente dos conselheiros para que se comprometam com os interesses das empresas. Quando elas têm prejuízos ou o valor de mercado encolhe, não só acionistas minoritários perdem, mas também o patrimônio da União.

— Isso feito nas estatais no governo Bolsonaro foi grotesco: intervenções diretas, a mando do presidente, e substituições não seguiram critérios.Só isso já causou uma perda de reputação muito grande para o Estado brasileiro—diz Sergio Lazzarini, professor do Ins perque estuda a relação entre governo e empresas ,.

Valdir Simão, ex-ministro da Corregedoria-Geral da União (CGU) e sócio do Warde Advogados, diz que as regras nas estatais são muito claras: é papel dos conselheiros equilibrar os interesses do governo e os dos outros acionistas:

— Qualquer intervenção indevida do controlador na gestão da estatal poderá caracterizar abuso de poder, e a leniência dos conselheiros, que têm obrigação de fiscaliza reavaliar o desempenho de diretoria, será passível de responsabilização.