O Globo, n. 32025, 12/04/2021, Mundo, p. 22

 

Vitória da direita

Janaína Figueiredo

12/04/2021

 

 

Com 92,9% das atas válidas apuradas no Equador, o economista e ex-ministro Andrés Arauz, de esquerda, aliado do ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), admitiu a derrota para o empresário Guillermo Lasso na disputa pela presidência. Lasso tinha , até então 52,51% dos votos, contra 47,49% de Arauz.

O empresário falou logo depois, assumindo o “desafio” de mudar o Equador.

A apuração indicava que 4,32% das atas tinham alguma irregularidade e precisariam ser revistas, totalizando 97,22% das atas.

No primeiro turno, Arauz tinha ficado em primeiro lugar, com 32,7%, contra 19,74% de Lasso e 19,39% de Yaku Pérez, candidato do movimento indígena Pachakutik. Pérez alegou fraude para afastá-lo da disputa final e pediu uma recontagem da maior parte dos votos , que foi negada pelo Conselho Eleitoral. Ontem, ele fez campanha pelo voto nulo.

MARQUETEIRO DE MACRI

Nos últimos dois meses de campanha, Lasso, de 65 anos, concentrou esforços em atacar os pontos fracos de Arauz, com destaque para sua relação próxima com o ex-presidente Correa, exilado na Bélgica, país de origem de sua mulher, e condenado, no ano passado, a um apena de oito anos de prisão soba acusação de recebimento de propina de empresas em troca de contratos com o Estado. Correa nega o crime e afirma ser alvo de perseguição política e judicial.

O empresário e candidato da aliança entre o Movimento Criando Oportunidades (Creo) e o Partido SocialCristão tem entre seus assessores o consultor político Jaime Durán Barba, famoso por ter conseguido eleger o expresidente Mauricio Macri (2015-2019) na Argentina.

Já Arauz, de 36 anos, candidato da aliança União pela Esperança (UNES), acusou seu adversário de ser o candidato do ajuste e de usar o dinheiro de seus aliados banqueiros para orquestrar uma “campanha suja”.

Nas últimas semanas, Lasso usou intensamente as redes sociais para acusar Arauz de vínculos com o Exército de Libertação Nacional (ELN), guerrilha ainda ativa na Colômbia, e denunciar seu suposto envolvimento em escândalos de corrupção envolvendo a empresa brasileira Odebrecht.

A imagem negativa dos dois candidatos alcançava 50%, o que tornou mais difícil para analistas antecipar qual seria o desfecho deu maqueda de braço que define se o movimento político liderado do exílio por Corre a, que foi um dos expoentes da chamada onda bolivariana na América do Sul,re tornaria ou não ao poder.

O Equador está mergulhado numa grave crise econômica (em 2020 o PIB despencou 8,9%) e sanitária (os contágios de Covid-19 já atingiram 345 mil ,e os óbitos, 17.275). O atual governo, do presidente Lenin Moreno, é rejeitado por cerca de 80% da população. Moreno, que foi vice-presidente de Correa, foi eleito em 2017 com o respaldo do então presidente, mas acabou se distanciando e até mesmo promovendo a perseguição de membros do governo anterior.

— Esta foi uma campanha muito polarizada e na reta final Lasso conseguiu empatar com Arauz. Para o candidato de Correa foi muito mais difícil crescer depois do primeiro turno —explica Juan Rivadeneira, consultor político da LLYC no Equador.

Para ele, “um dos ataques mais bem sucedidos de Lasso a Arauz” foi tê-lo acusado de ter mantido seu emprego no Banco Central durante o governo Moreno.

— Uma das incógnitas desta eleição era o voto escondido do correísmo, de setores econômicos mais vulneráveis que receberam muita ajuda dos governos de Correa. Nossa economia está em ruínas — disse Rivadaneira.

O analista Leonardo Magalhães, do instituto Atlas Intelligence, lembra que Lasso “é conhecido por ser um empresário, de família pobre, que ficou rico graças ao próprio esforço”.

—Ele tem imagem de bom gestor, embora nunca tenha ocupado um cargo público importante. Por outro lado, está muito associado ao mundo dos banqueiros e ao trágico feriado bancário — afirma Magalhães, referindo-se ao dia 8 de março de 1999, quando foi declarado um feriado bancário de 24 horas, com congelamento de depósitos. A medida acabou vigorando por um ano.

DERROTA DO CORREÍSMO

Para ele, o ex-banqueiro tinha, ainda, “o problema de ter sido aliado do governo de Moreno”.

— Arauz tem pouca experiência, mas ocupou cargos altos no governo Correa. Estudou em ótimas escolas, tem dupla graduação em matemática e economia em universidades americanas, um perfil de elite. Seu ponto negativo era a memória do governo Correa, onde houve pouco diálogo e muito conflito político —diz o analista.

Entre 1997 e 2007, o Equador teve oito presidentes. Nos dez anos seguintes, Correa foi a figura dominante da política nacional. A eleição de ontem definiu que, para a maioria dos 25 milhões de eleitores equatorianos, pesou mais o desejo de mudança, prometida por Lasso.