O Globo, n. 32026, 13/04/2021, País, p. 5

 

Ministros do STF reagem à pressão de Bolsonaro

André de Souza

Julia Lindner

13/04/2021

 

 

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reagiram ontem à pressão do presidente Jair Bolsonaro para que senadores investiguem também a atuação de governadores e prefeitos na CPI da Pandemia e se empenhem a favor do andamento de processos de impeachment contra ministros da Corte. Em outra frente, no julgamento de amanhã sobre a decisão do ministro Luís Roberto Barroso de determinar o funcionamento da comissão, a tendência é que colegiado referende a instalação, mas abrindo uma brecha para que a CPI funcione só quando o Senado retomar os trabalhos presenciais.

O ministro Marco Aurélio Mello classificou a postura de Bolsonaro de uma “tentativa de desviar o foco” — a comissão, originalmente, tem o objetivo de apurar eventuais omissões do governo federal no enfrentamento ao novo coronavírus. Já o presidente do STF, Luiz Fux, sem citar o chefe do Executivo, disse que a democracia pressupõe que os Poderes atuam de forma “independente e harmônica”.

As declarações de Bolsonaro foram feitas ao senador Jorge Kajuru (CidadaniaGO), que gravou a ligação e a divulgou no domingo.

— É arroubo de retórica, é crítica pela crítica, tentativa de desviar o foco. É ruim tentar fragilizar as instituições pátrias. Você não sabe como termina —disse Marco Aurélio.

Em vídeo gravado, Fux disse que a sustentação da democracia não é algo “automático, natural ou perpétuo”. Ele acrescentou que o “maior símbolo da democracia é o diálogo”:

— O regime democrático necessita ser reiteradamente alimentado e reforçado. Para tanto, as instituições devem atuar de forma independente, impondo freios e contrapesos recíprocos, porém harmônica (...). Igualmente, os cidadãos devem ser vigilantes para que as regras do jogo democrático sejam rigorosamente cumpridas.

Na semana passada, em nota, a Corte já havia se manifestado depois que Bolsonaro afirmou que o ministro Luís Roberto Barroso havia feito “politicalha” ao determinar a instalação da CPI. Na ocasião, o texto ressaltou que a decisão cumpria a Constituição e que questionamentos deveriam ser feitos “vias recursais próprias, contribuindo para que o espírito republicano prevaleça em nosso país”.

Na conversa com Kajuru, Bolsonaro disse que o senador deveria ingressar no STF com uma ação em que a Corte fosse provocada a se manifestar sobre o andamento de pedidos de impeachment de ministros que já foram apresentados no Senado. O parlamentar afirmou que já havia adotado a medida com relação a Alexandre de Moraes —o presidente parabenizou o senador.

—Você tem que fazer do limão uma limonada. Tem que peticionar o Supremo para botar em pauta o impeachment dos ministros — disse Bolsonaro, que em seguida foi informado pelo senador que a medida já fora tomada.

Em outro trecho, o presidente reforçou: “Você pressionou o Supremo, né”. Ontem, o ministro Nunes Marques, indicado por Bolsonaro, foi sorteado para ser o relator da ação apresentada por Kajuru.

No julgamento de amanhã, o plenário do STF deve endossar a instalação da CPI, mas abrindo o caminho para que ela funcione apenas com a retomada dos trabalhos presenciais na Casa, que atualmente está em modelo remoto.

Alguns senadores resistem à instalação da comissão em função das reuniões presenciais em ambientes fechados. Caso o Senado se aproveite do entendimento que deve prevalecer no plenário da Corte para, na prática, impedir o funcionamento da CPI, novos questionamentos poderão ser feitos ao STF.

Ministros da Corte avaliam que determinar a instalação de uma CPI quando todos os requisitos foram cumpridos não é ingerência sobre outro Poder, mas dizer como ela deve funcionar seria uma interferência. mia seria torná-la inócua. Aliados do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmam que ele mantém o entendimento de que a CPI só deve funcionar em formato presencial, porque o colegiado demanda depoimentos e diligências.