O Globo, n. 32026, 13/04/2021, Economia, p. 15

 

Manobra para resolver o impasse

Manoel Ventura

Geralda Doca

13/04/2021

 

 

Pressionado a encontrar uma solução para o impasse do Orçamento, o governo avalia enviar ao Congresso Nacional uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para permitir que gastos contra a pandemia de Covid-19 e até recursos para obras fiquem fora de regras fiscais. A medida é vista por parte dos integrantes do Executivo como uma saída para dois problemas. Em uma frente, ao liberar dinheiro para os empreendimentos públicos, atenderia à demanda de parlamentares que inflaram as despesas para projetos de interesse político durante a votação da proposta orçamentária por meio de uma manobra considerada irregular pela equipe econômica — ponto central do desentendimento. Em outra, permitiria reeditar programas emergenciais sem recorrer ao Estado de Calamidade, que flexibiliza despesas durante o ano inteiro.

As primeiras informações sobre o plano foram mal recebidas pelo mercado financeiro, preocupado com o aumento da dívida pública. O dólar comercial voltou ao patamar acima de R$ 5,70.

No Ministério da Economia, a ideia é que o projeto suspenda temporariamente travas apenas para gastos relacionados ao combate ao novo coronavírus e seus impactos econômicos, como a renovação do programa que autoriza acordos de redução de jornada e salário —nos moldes da medida provisória (MP) 936 —e a liberação de mais recursos para a saúde. Essas ações seriam limitadas a R $35 bilhões e não ficariam sujeitas a freios como o teto de gastos, que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior.

DESEJO DA ALA POLÍTICA

A possibilidade de gastar com obras fora desses limites começou a ser articulada pela ala política do governo, que fala em gastos entre R$ 15 bilhões e R$ 18 bilhões. A intenção desse grupo, segundo fontes, é autorizar essas despesas na PEC com o objetivo de  “atenuar os impactos sanitários, sociais e econômicos” da pandemia. Para auxiliares do ministro da Economia, Paulo Guedes, isso significaria um drible no teto de gastos. O governo ainda não tomou uma decisão sobre o envio do texto, que será apresentado ao presidente Jair Bolsonaro.

As negociações ocorrem em um momento em que Bolsonaro é pressionado pelo Congresso a sancionar o Orçamento sem vetos. A proposta aumentou em R$ 26,4 bilhões as emendas parlamentares, especialmente para obras. Para isso, o relator, senador Márcio Bittar (MDBAC), cortou gastos obrigatórios, especialmente com Previdência, abono salarial e seguro-desemprego, o que é considerado irregular por especialistas e técnicos do governo. Guedes tem defendido o veto desse trecho para que seja possível recompor a previsão das despesas que foram subestimadas e não podem deixar de ser pagas.

O ministro afirma que há risco de o presidente cometer crime de responsabilidade, caso assine o texto como foi aprovado. Nos últimos dias, auxiliares de Bolsonaro passaram até a avaliara possibilidade de o presidente viajar para fora do país e deixar Lira sancionar o Orçamento. Para isso, seria necessário o vice-presidente Hamilton Mourão também viajar. O presidente da Câmara é o terceiro na linha de sucessão da Presidência da República. O prazo para sanção ouve toda proposta termina no dia 22.

TENSÃO COM O CONGRESSO

Apesar da posição de Guedes, começou a ganhar força de fato no governo e até entre parte da equipe econômica a possibilidade de sancionar integralmente o texto, uma forma de evitar aumentara tensão com o Legislativo no momento em que o governo ainda tem que lidar com as articulações em torno da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, no Senado.

Caso Bolsonaro sancione integralmente o texto, a PEC poderia resolver o impasse. Isso porque, ao permitir as obras fora do teto, as emendas dos parlamentares seriam transferidas para esses gastos. Assim, seria possível recompor a previsão de gastos obrigatórios sem bloquear as indicações feitas por deputados e senadores. Para aprovar uma PEC, são necessários os votos de pelo menos 308 deputados e 49 senadores em dois turnos de votação em cada Casa.

Se a PEC avançar, o governo pretende gastar pelo menos R$ 4 bilhões com o Pronampe (empréstimo para pequenas empresas) e R $8 bilhões para compensar o corte de salário e de jornada de trabalhadores atingidos pela nova versão do programa de manutenção de emprego. O Ministério da Economia considera os programas um “sucesso”, especialmente o que permitiu acordos para redução de jornada de trabalho de mais de 11 milhões de empregados. Além disso, o Ministério da Saúde já mostrou a necessidade de mais verba para combatera pandemia, como recursos para leitos de UTI e testes.

A demora e os ruídos na aprovação do Orçamento fizeram pressão no mercado de câmbio ontem. Amoeda americana fechou cotada aR$ 5,72, uma alta de 0,81%.

“Diante do cenário local, onde as incertezas aumentam a cada dia, o comportamento dos agentes na busca por proteção impactou diretamente no câmbio”, escreveu Ricardo Gomes da Silva, diretor da corretora de câmbio Correparti, em relatório a clientes.

Já na Bolsa, a alta das ações da Petrobras e dos bancos ajudou na valorização do Ibovespa, que subiu 0,97%, aos 118.811 pontos, maior patamar desde fevereiro.