Valor Econômico, n. 5222, 06/04/2021, Política, p. A10

 

Para Santos Cruz, atos de presidente abrem especulações

André Guilherme Vieira 

06/04/2021

 

 

Ex-ministro da Secretaria de Governo de Jair Bolsonaro, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz afirmou durante “live” do Valor, ontem, que o presidente da República abriu espaço para especulações sobre golpismo militar ao demitir os comandantes das Forças Armadas, na semana passada, porque não deu transparência sobre os motivos para a decisão.

“A substituição de ministros é uma coisa normal. Agora, os comandantes militares não fazem parte dessa camada política, são comandante operacionais, pessoas que são de dentro da instituição [Forças Armadas] e com as quais você não pode ter o mesmo procedimento da substituição de caráter político”, disse o general.

“São pessoas honradas e no outro dia saiu um bando de fanáticos dizendo que havia um plano para tirar o presidente e mais um monte de bobagens”, disse.

“E ficou aquela milícia digital, um bando de fanáticos falando que aquelas pessoas dignas estavam fazendo um complô contra o presidente da República, o que é absoluta mentira”, afirmou Santos Cruz.

O general também criticou o fato de Bolsonaro ter demitido os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica sem o cuidado de ter conversado pessoalmente com cada um deles.

“Quando você dispensa alguém desse nível, que você nomeou, você não manda [embora] através de intermediários, assim como quando você nomeou, você tirou fotografia com eles e falou com cada um, na hora de sair você tem de ter a dignidade e a coragem de conversar pessoalmente, é olho no olho”.

Na opinião do ex-ministro da Secretaria de Governo de Bolsonaro, o presidente aceita as condutas extremas das milícias digitais, prejudicou-se politicamente com essa atitude e não governa para todos os brasileiros.

“Não é um grupo grande, mas se firmou, tem influência sobre o presidente e o presidente aceita esse tipo de conduta”, disse. “O presidente compra algumas dessas ideias [disseminadas pelos apoiadores digitais] e está se prejudicando com isso. Um presidente tem de governar para todo mundo e ele não consegue”, afirmou Santos Cruz.

O general também responsabilizou Bolsonaro pela destruição da imagem do Brasil no exterior, ao falar sobre os impactos causados pelas milícias digitais, que agora estão perdendo força, segundo ele. Na avaliação de Santos Cruz, a linha ideológica propalada pelo agora ex-ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, contou com o aval do presidente da República.

 

“Eu acho que está perdendo força, tanto que prejudicou muito o governo, prejudicou a imagem do Brasil no exterior com um Ministério das Relações Exteriores completamente desvirtuado, ideológico, isolando o Brasil no mundo”, afirmou. “O presidente é o responsável por isso, não é o ministro, não, o ministro é o co-responsável, o responsável é o presidente, que tem de dar a diretriz de todos os ministérios”, concluiu.

Santos Cruz disse também que Bolsonaro deveria procurar o diálogo como instrumento de governança, e não a mídias sociais.

“Não se pode governar na tela de celular o tempo todo, as discussões, conversas privadas, essa neurose de que tudo precisa ser através de mídia social. É absurdo, converse, faça as coisas reservadamente e depois divulgue a decisão, mas não, as discussões sobre as decisões também acontecem ao vivo.”

Santos Cruz citou a demissão de Henrique Mandetta do Ministério da Saúde, em 2020, como exemplo de como as milícias digitais influenciam a gestão Bolsonaro.

“Para dispensar um ministro leva um mês, tem de fazer coisa falsa, a milícia tem de se intrometer, xingar, dizer que fulano é corrupto, comunista, ladrão, não sei o quê mais. Que foi infiltrado, que na realidade tinha um golpe preparado. E tudo isso ao vivo”.