Valor Econômico, n. 5223, 07/04/2021, Política, p. A10

 

Anistia aponta retrocessos no Brasil

Cristiane Agostine

 07/04/2021

 

 

Em um relatório sobre o estado dos Direitos Humanos no mundo, a Anistia Internacional registra que no Brasil o governo Bolsonaro não agiu para conter a crise sanitária. Ontem, o país bateu novo recorde, com 4.211 óbitos em 24 horas. Para a entidade, a negligência fez com que o país fracassasse em todos os aspectos no enfrentamento à pandemia, tanto nas ações sanitárias, quanto nas sociais e econômicas.

A desigualdade social se aprofundou e levou mais 27 milhões de pessoas para a extrema pobreza, vivendo com menos de R$ 246 ao mês (cerca de R$ 8 por dia), segundo dados projetados pela FGV entre agosto de 2020 e fevereiro deste ano. De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, a fome avançou e, pela primeira vez em 17 anos, 116 milhões de brasileiros - mais da metade da população - estão em situação de insegurança alimentar, sem a garantia de que terão comida na mesa. A pandemia deixou 19 milhões de brasileiros com fome em 2020, 9% da população. É quase o dobro do registrado em 2018.

Na área da saúde, a agenda negacionista de Bolsonaro fez com que o número de mortes por covid-19 explodisse e o Brasil se tornasse o segundo país com mais mortes pela doença, atrás dos Estados Unidos.

A entidade, presente em mais de 150 países, diz que o governo usou a pandemia como pretexto para que as violações dos direitos humanos no Brasil aumentassem em 2020. A crise foi usada também para esconder o avanço do desmatamento e da ação de garimpeiros e grileiros.

A diretora-executiva da Anistia Internacional diz que a pandemia não justifica, em si, os retrocessos no país. “A principal razão desse retrocesso é a negligência das autoridades para proteger a população dos impactos da pandemia”, afirma Jurema Werneck. “E a pandemia tornou-se ‘cortina de fumaça’ para esconder perseguições e violações aos direitos humanos que já aconteciam e que se agravaram desde 2020.”

Durante a pandemia, a proteção dos recursos naturais e dos territórios tradicionais foi negligenciada, pois “as estruturas governamentais para proteger os povos indígenas e o meio ambiente foram ainda mais desmanteladas e enfraquecidas”. O relatório cita também que o país tornou-se o terceiro no mundo na morte de defensores de direitos humanos e do meio ambiente, atrás da Colômbia e Filipinas, segundo a ONG Global Witness. Ao falar sobre os atentados a ativistas, cita o assassinato de Marielle Franco em 2018, sem punição dos responsáveis.

Outro problema registrado é o aumento de casos de feminicídio, com a falta de políticas públicas efetivas para combater a violência contra a mulher. A taxa de feminicídio aumentou em 14 dos 26 Estados entre março e maio de 2020 em comparação ao mesmo período de 2019. No Acre, os casos subiram 400%.

 

Aumentaram também, em 7,1%, os homicídios provocados pela polícia em relação a 2019. Ao menos 3.181 pessoas - 79% negras - foram assassinadas pela polícia entre janeiro e junho de 2020. A população carcerária ficou em segundo plano e foi “privada do direito à saúde” sem medidas adequadas contra a covid-19.

O relatório registra ainda que o governo Bolsonaro tem ameaçado a liberdade de expressão e tentado restringir o trabalho de jornalistas.

O documento divulgado hoje está em sintonia com o que foi registrado pela ONG internacional Human Rights Watch em janeiro, que afirmou que “Bolsonaro tem sabotado o combate à pandemia no país”.

A reportagem entrou em contato com a assessoria do governo federal, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.