O Globo, n. 32024, 11/04/2021, Economia, p. 29

 

Nova chance

João Sorima Neto

11/04/2021

 

 

SÃO PAULO - Uma forte recuperação dos Estados Unidos e da China promete turbinar o apetite global por produtos primários nesta década. Isso deve beneficiar o Brasil no momento em que enfrenta o desafio de superar a tragédia humanitária da pandemia, que provocou forte impacto na economia.
Economistas já apontam um novo ‘superciclo de commodities’, uma janela de oportunidade que pode ajudar o país sair da crise.
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As duas maiores economias do planeta devem crescer entre 6% e 7% neste ano, iniciando uma conjuntura pós-pandemia que pode perdurar por alguns anos. Essa expectativa impulsiona, segundo analistas, a valorização de produtos como minério de ferro, soja, açúcar, petróleo e outras commodities que têm forte peso na balança exportadora brasileira.
As duas maiores economias do mundo prometem uma recuperação econômica forte no pós-pandemia
Ainda que a nova bonança seja mais modesta que a dos anos 2000, será uma ajuda na retomada pós-pandemia.
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Nos últimos 12 meses, a alta dos preços do petróleo, do minério de ferro e da soja, por exemplo, superou 100%. Todo esse ganho deverá se refletir também no valor das ações das empresas exportadoras por aqui e atrair investimentos.
As commodities respondem por mais de 60% de tudo o que é vendido pelo país lá fora. Com a valorização do dólar frente ao real, a balança comercial tende a apresentar um saldo recorde, dizem especialistas.
— Temos tudo para ter um novo superciclo de commodities na próxima década, e o Brasil tem a chance de se beneficiar disso. Há liquidez mundial e disposição dos investidores em aplicar em empresas tradicionais, da economia real — diz Matheus Spiess, especialista em investimentos da Empiricus Research.
Conjuntura global deve abrir outro ‘superciclo de commodities’ que pode beneficiar o Brasil
O economista observa que o pacote de US$ 3 trilhões de renovação da infraestrutura dos EUA, anunciado pelo presidente Joe Biden, é outro catalisador da procura por produtos como minério de ferro e aço.
Maior importadora de grãos no mundo, a China quer reduzir a dependência da soja brasileira e americana. Em seu plano quinquenal, anunciado em março, determinou que cada província terá que produzir anualmente ao menos 650 milhões de toneladas. Ainda assim, analistas acreditam que o gigante asiático continuará um importante importador.
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Os preços das matérias-primas já começam a dar sinais do início desse ciclo positivo. A tonelada de ferro dobrou, o petróleo volta à casa de US$ 60 por barril, depois de ter sido negociado a preços baixos e até em campo negativo em 2020.
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Esse movimento de alta já caracteriza a nova onda positiva para as matérias-primas, diz Claudio Frischtak, da consultoria Inter.B.
Reflexo na bolsa
Para ele, esse ciclo começou ainda em 2020 com a China terminando o ano da pandemia com crescimento. Frischtak acredita que, em 2022 e 2023, a expansão da economia americana deve continuar forte, com juros baixos mantidos pelo banco central americano e os recursos liberados pelo governo Biden no pacote de estímulos econômicos:
— A estimativa é de crescimento de 4% nos EUA em 2022 para uma economia que tem potencial de 2,5%. E em 2023 também haverá crescimento, o que deve sustentar o preço das commodities.
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O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, observa que os preços das matérias-primas têm respondido positivamente à abundância de recursos no mundo, promovida pelos bancos centrais para estimular a retomada da atividade após o tombo provocado pela pandemia nos países.
Produtos agropecuários, como a soja, tendem a subir com a forte demanda global no pós-pandemia
Vale lembra que há algumas dificuldades de oferta em alguns países, como menor produção de soja nos EUA e na Argentina, além do recrudescimento da peste suína em algumas províncias da China. Nas commodities metálicas, o economista observa que já há alta na demanda no mundo.
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— Essa combinação, de certa forma indireta, de alta do preço das commodities e o dólar pressionado no Brasil pela situação fiscal ruim tem o papel de elevar ainda mais a balança comercial este ano. Nossa estimativa, é que o saldo seja positivo acima de US$ 76 bilhões, um nível recorde — diz.
Pelas projeções da MB Associados haverá forte expansão tanto da agropecuária, a mais intensa desde a crise global de 2008, quanto da indústria extrativa, que deve ter o maior pico de exportações desde 2011. Já a exportação de manufaturados deve ficar estagnada em 2021 e crescer apenas 1%.
Conjuntura global deve abrir outro ‘superciclo de commodities’ que pode beneficiar o Brasil
A expectativa da MB associados é de expansão de 59% na exportação agropecuária e de 34% na indústria extrativa este ano. O saldo das contas externas como um todo ficará positivo em US$ 12,4 bilhões, ou 0,9% do PIB, o que não era visto desde 2007.
Para Spiess, da Empiricus, num cenário em que o Brasil avance o processo de vacinação contra a Covid-19 nos próximos meses e implemente medidas fiscais mais efetivas, as empresas brasileiras vão se beneficiar da nova onda de valorização das commodities.
Ele avalia que o Ibovespa, principal índice da Bolsa, pode terminar o ano entre 140 mil e 150 mil pontos. Atualmente está na casa de 118 mil:
— Esse contexto tende a atrair investidores estrangeiros tradicionais para a Bolsa brasileira, em busca das principais blue chips (ações mais negociadas). Entre elas, a Vale, que está com papéis baratos em dólar e com preço descontado depois dos problemas em Brumadinho. Mas ações da (siderúrgica) Gerdau e da Petrobras também são vistas com bons olhos.
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João Frota, economista da Senso Corretora, observa que, na Bolsa, além dos papéis das gigantes, ações de muitas empresas ligadas ao agronegócio e à logística vão refletir o bom momento das commodities agrícolas.
A demanda da China por commodities para alimentar sua indústria é um fator positivo para o Brasil
Frota destaca, por exemplo, a Kepler Weber, que atua na armazenagem de produtos agrícolas, e a SLC Agrícola, entre as maiores produtoras de algodão, milho e soja:
— A safra 2021/2022 de soja que será colhida no Brasil já está toda vendida para a China. O país vai continuar sendo um dos maiores importadores de alimentos do mundo por anos.
Riscos à frente
Claudio Frischtak, entretanto, vê riscos para o potencial do superciclo de commodities a partir de 2023. O especialista lembra que haverá aceleração da inflação, provocada pela própria alta do preço das matérias-primas, além de uma elevação de juros. Se isso de fato ocorrer, o potencial do superciclo pode ser abortado a partir de 2024.
— Será um “mini superciclo” por conta do aumento da inflação e dos juros nos próximos anos — diz Frischtak.
Conjuntura global deve abrir outro ‘superciclo de commodities’ que pode beneficiar o Brasil
Quase uma década depois do último superciclo de commodities, que começou em meados dos anos 2000 e durou até 2008, ano da crise financeira mundial, Walter de Vitto, analista de commodities da consultoria Tendências, avalia que a nova onda não terá a mesma magnitude daquela que impulsionou os governos Lula, com crescimento médio anual de 4%.
Para ele, as condições são diferentes. Primeiro, os preços subiram depois de uma queda acentuada por causa da pandemia. E, para Vitto, não será possível sustentá-los de forma tão forte nos próximos anos.
— As incertezas da Covid-19 ainda devem impactar a demanda e trazer solavancos aos preços — diz. — O Brasil se beneficia dessa alta de preços, especialmente no setor agrícola, mas não será tanto como no último superciclo quando os preços eram muito favoráveis.