Valor Econômico, n. 5223, 07/04/2021, Opinião, p. A13

 

Crédito global para pôr fim à pandemia

Jeffrey D. Sachs

07/04/2021

 

 

As reuniões de primavera desta semana do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial oferecem uma chance histórica de cooperação financeira. As principais economias do mundo, entre as quais Estados Unidos, União Europeia (UE), China e outros países do G-20, já sinalizaram seu apoio a uma nova alocação de US$ 650 bilhões do ativo de reserva do FMI, os Direitos Especiais de Saque (SDRs, nas iniciais em inglês), para garantir que os governos de países de baixa e de média rendas tenham meios para combater a pandemia de covid-19 e iniciar o caminho de uma recuperação puxada por investimentos. Com liderança, arrojo e criatividade, essa cooperação financeira mundial poderá ajudar a pôr fim à pandemia.

A imunização em massa é fundamental. Menos de um ano após a primeira identificação e sequenciamento do Sars-CoV-2, o vírus causador da covid-19, o apoio financeiro da parte dos governos - como os dos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Rússia, China e Índia - permitiu que várias empresas lançassem vacinas seguras e eficazes. Países ricos que rapidamente negociaram contratos favoráveis com fabricantes de vacinas receberam a maioria das doses até agora. Mas pôr fim à pandemia requer que todos os países obtenham cobertura vacinal abrangente o quanto antes. Em termos práticos, a obtenção dessa meta não deveria ser posterior ao fim de 2022.

 

Um empreendimento mundial sem precedentes como esse exige sólida cooperação, incluindo apoio financeiro. Enquanto a covid-19 mantiver altas taxas de transmissão em algum lugar do mundo, a pandemia continuará a desestabilizar a produção, o comércio e as viagens mundiais, além de dar origem a mutações virais que ameaçam minar a imunidade anteriormente adquirida. Como enfatizou nesta semana a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, todos os países, portanto, compartilham um forte interesse em pôr fim à pandemia em toda parte.

Os governos mundiais fundaram o Access to Covid-19 Tools Accelerator (ACT-A), que inclui o programa Covid-19 Vaccine Global Access (Covax), o pilar vacinal do ACT-A, a fim de garantir controle universal do Sars-CoV-2. Mas, embora o ACT-A e o Covax tenham criado planos mundiais de vacinas, testes e terapêuticas, os planos precisam ser fortalecidos urgentemente por dois motivos estreitamente interligados.

Em primeiro lugar, a meta operacional atualmente usada pelo Covax - um mínimo de 27% da população de todos os países habilitados imunizada até o fim deste ano - tem de ser elevada de modo a estipular a vacinação de todos os adultos para o prazo de até o fim de 2022. Isso é necessário para pôr fim à pandemia e para reduzir as chances de novas mutações.

Em segundo lugar, é urgentemente fazer um planejamento até o fim de 2022, para intensificar as cadeias de produção e de suprimentos de vacinas e de outras commodities essenciais. Mas o ACT-A e o Covax continuam subfinanciadas mesmo para 2021: os US$ 11 bilhões que os governos alocaram até o momento deixa um déficit de financiamento de US$ 22 bilhões para este ano - um déficit que até agora adiou o planejamento necessário até o fim de 2022. Nesse meio tempo, a atual escassez de vacinas está levando os países a agir atabalhoadamente para furar a fila, inclusive por meio do pagamento de ágio.

 

As quantias adicionais necessárias para garantir cobertura vacinal universal até o fim de 2022, e outros suprimentos de combate à covid-19, são modestas - talvez US$ 50 bilhões para a ACT-A. Trata-se de um valor desprezível em relação aos enormes benefícios mundiais de encerrar a pandemia e o enorme gasto com a pandemia empreendido por governos de países de alta renda no mundo inteiro.

Pelo fato de a intensificação da produção de vacinas (e de algumas outras commodities) exigir um tempo de aprovisionamento de 6 a 12 meses, os US$ 50 bilhões deveriam ser garantidos nas próximas semanas, para que a ACT-A e a Covax possam atuar ao lado das fabricantes a fim de garantir os suprimentos necessários. A alocação de novos SDRs pelo FMI oferece uma oportunidade singular de obtenção desse financiamento.

Quando os novos SDRs forem emitidos, cerca de US$ 20 bilhões de novas reservas serão canalizados diretamente para os países mais pobres. Além disso, cerca de US$ 100 bilhões ou mais que forem destinados a países ricos serão reciclados para o FMI para serem usados para empréstimos de longo prazo a juros baixos. A diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, tem trabalhado estreita e criativamente com governos do G-20 para planejar esse enfoque novo, promissor. Uma ideia excelente é usar os SDRs para reforçar o Fundo para Redução da Pobreza e Crescimento (PRGT, nas iniciais em inglês), a linha de financiamento do fundo para países pobres.

Há um importante precedente nesse aspecto. Em 2015, o FMI criou um Fundo de Contenção e Alívio de Catástrofes para contribuir para fornecer financiamento emergencial para o controle do Ebola para Guiné, Libéria e Serra Leoa. Desta vez, o financiamento do PRGT pode ser condicionado a seu uso para compras públicas relacionadas ao ACT-A e ao Covax e para outras medidas de controle da covid-19 que o governo tomador documenta junto ao FMI (como reembolsos por vacinas contra covid-19 que foram compradas pelo país-membros fora da Covax).

 

O ACT-A está atualmente preparando estimativas do financiamento que os 92 países de baixa e média rendas do mundo aptos a receber apoio do Covax precisarão para vacinas, testes, terapêuticas e outros suprimentos até o fim de 2022. Com base nas necessidades estimadas de financiamento, um plano financeiro do ATC-A pode ser criado para cada país, a ser respaldado pelos SDRs e pelos recursos ampliados do PRGT.

Nas próximas semanas deverá surgir um plano racional para financiar todas as necessidades do balanço de pagamentos para a covid-19 dos países até o fim de 2022. O FMI foi criado para lidar com esse tipo de emergência do balanço de pagamentos. O acesso ao financiamento do FMI vai proteger o bem-estar e a estabilidade macroeconômica de países individuais e do mundo como um todo. Precisamos aproveitar essa oportunidade decisiva para a ONU, o FMI e governos-chaves - como Estados Unidos, China, Rússia, a UE, o Japão, o Reino Unido e outros - colaborarem efetivamente para o bem da humanidade. (Tradução de Rachel Warszawski).

Jeffrey D. Sachs professor da Universidade de Columbia, é diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Columbia e da Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável da ONU.