Título: Autonomia universitária para quem?
Autor: Tarso Genro e Ronaldo Mota*
Fonte: Jornal do Brasil, 10/02/2005, Outras Opiniões, p. A11

Na área da educação superior, a reforma proposta, somada às excelentes contribuições que têm sido recebidas, mesmo na forma de críticas contundentes, deve marcar de forma positiva o futuro das instituições, tanto públicas quanto privadas. O processo e o método adotados permitem que, fruto da discussão aberta, intensa e sistematizada do anteprojeto, se façam as correções que se mostrarem necessárias de pontos associados a princípios e diretrizes.

No setor público, não haveria como sustentar a proposta de reforma sem que, de imediato, ações garantissem as expectativas do futuro. Os avanços no financiamento de custeio, a liberação de número considerável de novas contratações de professores e a instalação de novas unidades federais de educação superior permitiram que as propostas contidas na versão preliminar do anteprojeto tivessem consistência, conectando ações imediatas com transformações de modelos de gestão coerentes com o efetivo exercício de autonomia.

Enfim, a autonomia proposta, em consonância com o disposto no artigo 207 da Constituiçãol, propiciará ao setor público avanços irreversíveis na gestão por orçamento global, com repasses regulares e recursos adicionais. A distribuição será baseada em proposições claras de enfrentamento das desigualdades regionais e sociais.

Por sua vez, o setor privado, entendida e respeitada a sua diversidade, deve obter o que mais deseja o país: políticas estáveis, reconhecimento de sua legitimidade e uma regulação justa baseada em critérios estáveis, por meio de uma relação com o Estado respaldada nos ditames constitucionais de credenciamento e avaliação.

A autonomia no setor público remete à necessidade de financiamento regular, por parte do Poder Público, a partir de uma rigorosa avaliação. Por sua vez, no setor privado há que se enfrentar um desafio adicional que até aqui tem sido evitado: a relação entre a mantenedora, seus proprietários, e a mantida, enquanto instituição educacional propriamente dita. Afinal, a quem se refere a autonomia universitária no setor privado? Quem deve usufruir das prerrogativas inerentes à autonomia?

A autonomia é inerente à figura da universidade, seja ela pública ou privada. Além da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, a instituição universitária, para fazer jus à denominação, deve observar os preceitos de liberdade acadêmica plena, constituir-se em espaço privilegiado de valorização do mérito, do livre pensamento científico, da cultura e das artes.

Assim, para que a universidade seja, inequivocamente, um espaço de geração de conhecimentos e solo fértil para inovadoras concepções pedagógicas, há que propiciar, de forma compatível, um ambiente efetivamente democrático, com estruturas colegiadas, carreira definida para docentes e valorização e aprimoramento permanente de seus funcionários, liberdade de expressão e de livre circulação e pluralismo de idéias. Neste sentido, claramente, a autonomia universitária ¿pertence¿ predominantemente à instituição, à mantida, e não, como querem alguns entender, à mantenedora.

Observe-se que esta discussão não é sobre os mantenedores em geral de qualquer instituição de educação superior, mas, especificamente, diz respeito à universidade e seu abrangente conjunto de prerrogativas.

Boa parte das alegadas inconstitucionalidades diz respeito à interpretação do artigo 209 da Constituição, o qual afirma que o ensino é livre à iniciativa privada, atendida duas condições: cumprimento das normas gerais da educação nacional e autorização e avaliação de qualidade pelo poder público. Pois o que o anteprojeto, na sua versão preliminar, propõe é exatamente definir normas gerais e recuperar a capacidade do poder público de regulação respaldada no ordenamento legal. Isso não é intervencionismo. Isso é, antes de tudo, procurar cumprir aquilo que está claramente disposto constitucionalmente.

*Tarso Genro é ministro da Educação. Ronaldo Mota é secretário executivo do Conselho Nacional de Educação e membro do Grupo Executivo da Reforma do Ensino Superior/MEC