O Globo, n. 32027, 14/04/2021, Economia, p. 19

 

Longe de uma solução

Geralda Doca

14/04/2021

 

 

A ideia de apresentar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que flexibiliza regras fiscais para destravar o impasse do Orçamento corre o risco de ser descartada antes mesmo de se tornar oficial. Em uma reunião no Palácio do Planalto, ontem, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que não aceita o plano, que vinha sendo defendido por integrantes da equipe econômica e por parte da ala política como solução para acomodar as emendas parlamentares — centro da crise que já dura quase três semanas.

A rejeição à PEC foi antecipado pelo colunista do GLOBO Lauro Jardim. Segundo fontes, Lira indicou que não abre mão de manter o acordo firmado com o Executivo de garantir ao menos R$ 16,5 bilhões em emendas, indicações de gastos de interesse de deputados e senadores. A garantia desse valor estaria em risco no plano apresentado pelo governo, que envolveria vetar cerca de R$ 30 bilhões do Orçamento — inclusive o valor acordado. Só depois de aprovada a PEC, que permitiria que obras ficassem fora dos limites fiscais, haveria o remanejamento das despesas apontadas pelos congressistas.

Participaram da reunião, além de Lira, o presidente Jair Bolsonaro; o ministro da Economia, Paulo Guedes; a ministrada Secretaria de Governo, Flavia Arruda; e o ministro da Controladoria-Geral da República (CGU), Wagner Rosário.

VERSÃO ENXUTA

Apesar de ter fracassado como ferramenta para destravar o Orçamento, integrantes do Ministério da Economia ainda afirmam que a PEC pode ser apresentada em versão mais enxuta, voltada apenas para flexibilizar regras fiscais e abrir espaço para programas emergenciais, como o benefício para manutenção de emprego nos moldes da medida provisória (MP) 936, que vigorou ano passado. Nesse modelo, não haveria manobra para acomodar recursos de interesse dos políticos.

Antes da sinalização negativa de Lira, o texto já sofria resistências e ampliou o racha no governo em torno das soluções para o Orçamento.

Segundo uma alta fonte próxima ao presidente Jair Bolsonaro, congressistas não viram na ideia a garantia dos recursos para tocar projetos em seus redutos eleitorais.

Além disso, pesou a incerteza sobre a possibilidade de aprovar uma PEC —que exige ampla maioria na Câmara e no Senado —, enquanto se discute o início dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), considerou a proposta muito ampla e com pouca chance de ser aprovada:

— Tem que ser uma proposta que tenha apoio dos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Quanto mais próxima da sugestão do relator (senador Márcio Bittar), mais chances terá. A ideia da PEC me parece exagerada.

Crítico de Guedes, o expresidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) comentou que o plano prejudica o controle das contas públicas:

— Desorganiza tudo o que foi feito até aqui, acaba com o teto de gastos, que é uma política de organização das contas públicas, de manutenção do controle das despesas, para poder ter tempo de fazer as reformas que podem fazer o país voltar a crescer.

A proposta foi tão mal recebida que líderes aliados do governo chegaram a questionar se a PEC seria fake news .Nos bastidores, Guedes passou a ser chamado de ministro fura-teto. Um interlocutor afirmou que a alternativa causou perplexidade, diante do potencial negativo junto ao mercado financeiro.

O GLOBO teve acesso a uma minuta do texto, que pre-vê brecha de R$18 bilhões fora dos limites fiscais para despesas com objetivo de “atenuar os impactos sanitários, sociais e econômicos”, o que autorizaria obras públicas sob justificativa de estimular a economia, por exemplo. A inclusão desse trecho não era defendida por Guedes. Em versão preliminar, a equipe econômica planejava apenas remanejar gastos com saúde e, assim, fazer a manobra orçamentária para acomodar as emendas.

À ESPERA DA REPERCUSSÃO

Diante da resistência à medida, a avaliação de parte do governo é que Guedes estaria isolado na disputa. Bolsonaro, no entanto, ainda não sinalizou qual lado deve prevalecer. Alertado, o presidente teria dito a auxiliares, antes do encontro com Lira, que iria aguardar a repercussão da PEC para se manifestar.

O assunto deverá entrar na pauta da reunião ministerial na próxima sexta-feira. A expectativa é que o encontro sirva para “lavar a roupa suja”, nas palavras de um interlocutor do Planalto.

Bolsonaro tem até o dia 22 para sancionar o Orçamento. Um novo documento da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados deve ser divulgado hoje, com a sinalização dos rombos na proposta, mas com o alerta de que cabe ao Executivo decidir se faz ajustes por vetos ou remanejando recursos após a sanção.