O Globo, n. 32028, 15/04/2021, País, p. 6

 

MPF aponta omissão e erros de Pazuello

Leandro Prazeres

Paula Ferreira

15/04/2021

 

 

Às vésperas do início de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado para investigar a atuação do governo federal na pandemia, o Ministério Público Federal (MPF) do Amazonas moveu uma ação contra o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e mais cinco pessoas por omissão diante do recrudescimento da Covid-19 naquele estado, em uma peça que escancara os problemas centrais da gestão liderada pelo militar.

O órgão aponta omissão; demora em tomar decisões; pressão pela adoção do “tratamento precoce”, com medicamentos ineficazes contra a doença, como a cloroquina; e falta de estímulo às medidas de isolamento social. O Amazonas viveu uma crise aguda em janeiro, com pessoas morrendo por falta de oxigênio hospitalar.

Na ação, o MPF pede que Pazuello e os outros cinco gestores da pasta e da secretaria de estado do Amazonas sejam condenados a ressarcir os danos causados, perda de função pública, suspensão dos direitos políticos por até cinco anos e pagamento de multa. A investigação durou quase três meses e envolveu o depoimento de dezenas de pessoas e a análise de milhares de páginas de documentos.

O GLOBO questionou o Ministério da Saúde e a Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a ação, mas não obteve resposta. Procurada, a Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas informou que o titular da pasta, Marcellus Campêlo, já prestou esclarecimentos ao MPF e que todos os seus atos “foram dentro da legalidade”.

Omissão

As investigações apontaram o que os procuradores classificaram como “omissões sucessivas” na adoção de medidas para evitar a crise no abastecimento de oxigênio em Manaus, cujo ápice foi atingido no dia 14 de janeiro, quando houve mortes de pacientes por asfixia.

Os procuradores constataram que, desde 28 de dezembro, o Ministério da Saúde já tinha ciência de que o cenário no Amazonas estava se agravando e, mesmo assim, a pasta teria se “omitido” a tomar providências consideradas “básicas” pelo MPF, como supervisionar a demanda por oxigênio medicinal e “articular estratégias” para prevenir o desbastecimento.

“Não houve propriamente falta do produto, mas omissão dos requeridos acima citados em promover e monitorar o dimensionamento da demanda para o futuro próximo e de traçar estratégia para viabilizar e coordenar, tempestivamente, o transporte do insumo em volume suficiente de outros estados”, diz um trecho da ação.

Lentidão

Para os procuradores, Pazuello e sua equipe demoraram a reagir diante da escalada da Covid-19 no estado. Um dos exemplos apontados foi a demora para enviar uma equipe a Manaus. Os procuradores destacam que mesmo estando ciente do quadro desde dezembro, somente em 3 de janeiro chegaram os primeiro integrantes da pasta. A explicação do ministério foi uma necessidade de esperar a troca na administração municipal, após as eleições.

Outro exemplo de lentidão apontado pelos procuradores foi em relação à transferência de pacientes com Covid-19 para outros estados. Documentos colhidos mostram que, durante uma reunião no dia 12 de janeiro, o Ministério da Saúde e o governo do Amazonas já tinham ciência da necessidade da transferência, mas a deliberação foi de que só seria feito isso em uma “situação extremamente crítica”. Após o colapso no dia 14, a medida foi adotada. Na avaliação dos procuradores, PABLO JACOB/15-03-2021 “optou-se por esperar o agravamento da situação”.

Os documentos mostram que, entre os dias 5 de 8 de janeiro, os dados epidemiológicos do Amazonas já indicavam que havia filas de espera por leitos clínicos e de UTI para pacientes com Covid-19. Desde dezembro, o número de novos casos e hospitalizações pela doença vinha crescendo de forma acelerada.

‘Tratamento precoce’

Outro foco da ação foram ações do governo federal em favor do “tratamento precoce” no auge da crise. Além de Pazuello, são apontados neste tópico dois secretários da pasta, Mayra Pinheiro e Hélio Angotti Neto. O MPF afirma que essas autoridades pressionaram a utilizar essa conduta. O órgão afirma que durante a visita da comitiva a Manaus, os representantes da pasta centraram “esforços comunicacionais” nessa direção.

Em meio ao colapso, durante dois dias equipes do Ministério da Saúde fizeram um “tour” por 13 unidades básicas de saúde do município para falar sobre “tratamento precoce” contra a Covid-19. Desde maio passado, quando Pazuello assumiu, a pasta passou a orientar o uso de cloroquina e hidroxicloroquina, além do antibiótico azitromicina. As drogas são comprovadamente ineficazes no combate à doença.

“Como se vê, sem formação médica, o ex-Ministro, em pronunciamento amplamente divulgado, defendeu conduta médica reiteradamente questionada pela ciência como se fosse consensual, expôs visão confusa sobre a utilidade dos exames médicos, defendeu o uso de medicamentos com eficácia duvidosa independentemente dos exames e menosprezou os efeitos adversos possivelmente decorrentes dos remédios”, afirma o MPF.

Isolamento social

As autoridades são acusadas também de se omitirem de coordenar ações de estímulo ao isolamento social. O Ministério Público Federal frisa que houve dificuldade para implementar medidas restritivas de circulação e não houve apoio da União. Segundo o órgão, a pasta não implementou campanhas de comunicação eficazes sobre o tema, priorizando outras questões.

“Ou seja, o Ministro da Saúde, apesar de ter ciência desde dezembro de 2020 da dificuldade de aumentar o isolamento social no Amazonas, optou por centrar sua estratégia comunicativa na disseminação do tratamento precoce, sem dar a devida relevância à prevenção”, diz a ação.

Os procuradores afirmam que, embora o ex-ministro Eduardo Pazuello soubesse da gravidade do quadro em Manaus e da necessidade adotar o isolamento social, amplamente defendido por especialistas, para controlar a crise, ele não defendeu diretamente as medidas de restrição. De acordo com o Ministério Público Federal, Pazuello tentou “terceirizar” a responsabilidade para as autoridades estaduais.