O Globo, n. 32028, 15/04/2021, Economia, p. 22

 

Guedes foi do alerta de risco de impeachment à proposta ‘fura-teto’

Mariana Carneiro

Malu Gaspar

15/04/2021

 

 

“Presidente, tem gente querendo te levar para o buraco... Vão te empurrar para o impeachment!” Era fim de março e Paulo Guedes tentava convencer Jair Bolsonaro a vetar parte do Orçamento de 2021.

Único empenhado em convencer Bolso na roa cortar o valor das emendas parlamentares do Orçamento, Guedes já elegera um culpado pelo estouro das despesas —o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que teria incentivado o general Luiz Eduardo Ramosa negociar gastos extras secretamente com deputados e senadores.

“Quero crer que (vocês) não me enganaram para eu virar o novo Arno Augustin!”, protestou, citando o ex-secretário do Tesouro de Dilma Rousseff, autor das pedaladas fiscais. E referindo-se a Marinho, que não estava na sala, disparou: “Esse Marinho continua querendo afundar o barco. Arca de Noé é f… Tem sempre um pica-pau a bordo querendo ferrar o negócio todo!” Tempos depois, o próprio ministro lembraria do episódio como o seu “dia de fúria”.

Aquele foi um dos lances mais nervosos do jogo de empurra sobre de quem é a culpa pelo “Orçamento fake”, como ficou conhecido o inexequível Orçamento de 2021.

Organizado pelo senador Marcio Bittar (MDB-AC), o texto não prevê recursos para despesas obrigatórias em Previdência, mas incluiu R$ 29 bilhões a serem gastos com emendas parlamentares. Bittar, porém, diz que tudo foi feito em acordo com a Economia, que aceitou incluir R$ 16 bilhões em emendas em troca da aprovação da PEC Emergencial.

Mas Guedes não era o único adversário do relator Bittar na batalha do Orçamento. Logo antes do “dia de fúria” do ministro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já tinha ido ao Planalto reclamar que Bittar havia reservado R$ 6 bilhões amais em emendas para senadores do que para os deputados. Administrado por Davi Alcolumbre (DEM-AP), esse valor era tratado como um saldo de compromissos assumidos para a eleição de Rodrigo Pacheco (DEM-MG)na presidência do Senado.

Nessa reunião em que Lira e Bittar se enfrentaram, o relator aceitou cortar R$ 10 bilhões de sua cota, mas lançou farpas. Apontou que, dos quase R$ 30 bilhões em emendas, R$ 7 bilhões tinham sido reservados apedido do próprio governo. Ele não disse diretamente, mas todos sabiam que falava de Luiz Eduardo Ramos.

TROCA DE ACUSAÇÕES

Foi o general, ainda na Secretaria de Governo, quem negociou com o Congresso a inclusão de cerca de R$ 4 bilhões para o Desenvolvimento Regional, de Rogério Marinho, que Guedes chama de fura-teto. E também de R$ 1,3 bilhão para a Infraestrutura, R$ 300 milhões para o Ministério da Justiça e R $200 milhões para o Ministério da Ciência, de Marcos Pontes, desenvolvera vacina contra a Covid-19.

A concessão de Bittar foi a senha para uma intensa troca de acusações. Guedes passou a dizer que, se não cortasse toda averbadas emendas, Bolso na rote ria o mesmo destino de Dilma Rousseff. Pacheco, Lira e Flávia Arruda acusaram o ministro de usara situação para esconder seus erros e romper o acordo como Congresso.

Depois do episódio, ministros e parlamentares procuraram Bolsonaro e acusaram o ministro da Economia de plantar informações na imprensa contra os políticos. Disseram, ainda, que sós e reuniriam novamente co melena presença do presidente.

Diante do impasse, na última quinta-feira, Bolsonaro reuniu Ramos, Flávia Arruda e Guedes par atentar chegara um acordo. Só que, àquela altura, o clima já estava tão pesado que os ministros mal se falavam. Guedes estava isolado no governo. Apesar das discordâncias entre ministros e congressistas, e entre senadores e deputados, todos concordavam que não podiam mais confiar no ministro da Economia.

O presidente até conseguiu dos parlamentares o compromisso de indicar despesas para cortar. Mas o consenso durou pouco, já que na mesma noite o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso determinou a abertura da CPI da Pandemia pelo Senado.

CUSTO MAIOR COM CPI

Além dedes organizara articulação política do governo, a decisão aumentou o custo de corta remendas do Senado, onde o governo passou a precisar de todo o apoio para evitara CPI.

Sem apoio dos ministros, sem interlocução com o Congresso e pressionado a encontrar uma solução, Guedes cedeu à proposta de editar uma emenda constitucional que excluiria do teto de gastos, entre outras coisas, emendas parlamentares destinadas à saúde.

Foi uma solução inusitada para quem acusava um colega de ministério de ser “fura-teto”. A ironia não escapou aos adversários, que não só bombardearam a solução, como passaram a chamá-lo de “fura-teto”.

Com a repercussão negativa, o ministro procurou interlocutores no governo e no mercado financeiro para negar que seja o pai da ideia e que a emenda foi gestada no Palácio do Planalto: “Eu não vou propor nada que fure o teto. Querem me carimbar justamente como o que eles são”.