O Globo, n. 32029, 16/04/2021, Mundo, p. 25

 

Brasil fica de fora de roteiro e agenda de viagem de enviado dos EUA à América do Sul

Janaína Figueiredo

16/04/2021

 

 

O diretor do Conselho de Segurança Nacional para o Hemisfério Ocidental do governo americano, o colombiano Juan González, encerrou ontem sua primeira viagem à região, na qual o Brasil governado por Jair Bolsonaro esteve excluído não só do roteiro, mas também da agenda de conversas com os governos de Colômbia, Argentina e Uruguai.

Nos três países, o enviado do presidente Joe Biden, que viajou acompanhado pela subsecretária de Estado para o Hemisfério Ocidental, Julie Chung, falou sobre narcotráfico, vacinas, meio ambiente, influência da China no continente e Venezuela, entre outros assuntos, segundo revelaram ao GLOBO fontes que acompanharam os encontros.

Em Buenos Aires, González conversou pessoalmente com o chanceler Felipe Solá, e virtualmente com o presidente Alberto Fernández. Em ambas as reuniões, confirmaram fontes da Casa Rosada, o assunto Brasil esteve totalmente fora da pauta. A sensação entre funcionários argentinos é de que o enviado de Biden chegou ao país para confirmar se o governo Fernández é um interlocutor confiável, dado o vazio deixado pelo Brasil em termos de liderança regional.

O governo argentino aproveitou para pedir respaldo em sua negociação com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e na cruzada por conseguir vacinas contra a Covid-19. A Argentina está com estoque de imunizantes quase zerado, enquanto os hospitais da capital e da província de Buenos Aires estão à beira do colapso.

Também falou-se sobre a situação da Venezuela. Fernández, que tem um canal de diálogo aberto com o governo de Nicolás Maduro, ofereceu-se a tentar algum tipo de mediação entre os EUA e a Venezuela.

A intenção do governo Biden é promover um novo grupo de países envolvidos na busca de uma solução para a crise venezuelana, incluindo governos europeus, Canadá, Colômbia e talvez até o Brasil —cuja presença na iniciativa, ainda embrionária, dependerá da evolução do relacionamento entre os dois governos.

Ao contrário da Argentina, que já articula posições comuns com o governo americano, o governo Bolsonaro ainda não conseguiu recompor o dano causado por seu respaldo incondicional a Trump durante a eleição americana.

CONTRAPONTO À CHINA

Em todas as capitais, os americanos expressaram sua preocupação pelo que chamaram de “sinistra diplomacia da vacina” exercida por China e Rússia na pandemia.

—Estamos comprometidos com o esforço da região e do mundo para combater à pandemia. Seremos líder global de combate à pandemia —declarou González, em coletiva ontem em Montevidéu.

A questão narcotráfico teve peso relevante na agenda dos enviados americanos. Na capital colombiana, foi central em todas as reuniões.

—Nosso compromisso é reduzir a demanda dos EUA (de drogas), mas é uma responsabilidade que compartilhamos com todos —assegurou o funcionário americano no Uruguai, última escala de sua viagem à América do Sul.

Em Montevidéu, o enviado de Biden assegurou que “esta administração pode trabalhar com qualquer governo eleito democraticamente, sem importar ideologia ou partido político”.

As portas, portanto, estão abertas. Mas a viagem de González deixou claro que o Brasil de Bolsonaro está longe de ser uma prioridade.