O Globo, n. 32030, 17/04/2021, Economia, p. 21

 

Paes ameaça entrar na Justiça por Santos Dumont

Raphaela Ribas

Ivan Martínez-Vargas

Geralda Doca

17/04/2021

 

 

RIO, SÃO PAULO E BRASÍLIA - O prefeito Eduardo Paes ameaçou ir à Justiça contra o modelo que o governo federal pretende adotar no processo de concessão do Aeroporto Santos Dumont, previsto para o ano que vem, em mensagem publicada em uma rede social. A preocupação é que a concessão do terminal possa esvaziar o Galeão, o que afetaria o turismo e a economia da cidade e do Estado do Rio.
“O modelo de concessão que fazem para o Santos Dumont é coisa de quem não tem simpatia pelo Rio e/ou busca inviabilizar o Galeão. Não é possível que com tantos cariocas no governo federal — incluindo o presidente — isso prossiga. A prefeitura vai agir judicialmente para impedir que isso aconteça”, escreveu o prefeito.
Horas depois, porém, Paes mudou o tom depois de uma conversa por telefone com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, a quem o prefeito se referiu como “o melhor ministro do governo federal”: “Tenho certeza de que vamos conseguir encontrar um bom caminho para solucionar os desafios do Galeão. Esse é um tema chave na nossa cidade.”
O modelo de concessão do terminal localizado no Centro do Rio ainda está sendo elaborado, mas o governo já deixou claro que pretende liberar voos mais longos ao futuro concessionário.
A prefeitura avalia que, ao aprovar uma mudança na malha aérea, o Santos Dumont poderia iniciar voos internacionais para destinos próximos, como Buenos Aires ou Montevidéu, tirando uma parcela dos passageiros do Galeão, que hoje concentra todas as rotas internacionais na cidade.
13 milhões de passageiros
Além disso, o receio é que voos internacionais sejam destinados a aeroportos em outros estados, com o passageiro seguindo para o Rio em voo doméstico via Santos Dumont. Se isso ocorrer, já que não há estrutura física para um crescimento mais significativo no Santos Dumont, o Rio perderia o papel de porta principal de entrada do passageiro internacional.
O secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Chicão Bulhões, disse que a secretaria está elaborando um estudo para mostrar o impacto não só no Galeão, mas também para a economia e turismo da cidade e do estado se o modelo for mantido:
— Para o desenvolvimento da cidade e do estado, esta é uma relação predatória, desregulada. Não é defender uma empresa ou aeroporto A ou B. Estamos defendendo competitividade mais saudável.
O Ministério da Infraestrutura vê como baixas as chances de que um questionamento judicial sobre o tema afete o leilão do Santos Dumont, previsto para maio de 2022. O governo não pretende interferir no processo de concessão.
Segundo um técnico a par das discussões, atualmente os passageiros preferem voar para o Santos Dumont, por estar localizado em área central da cidade, e o poder público não pode obrigar esses usuários a migrarem para o Galeão.
Ainda assim, as projeções do governo indicam que o Santos Dumont poderia alcançar no máximo 13 milhões de passageiros ao ano por causa das limitações do terminal, como a extensão da pista.
A capacidade atual do aeroporto é de 9 milhões de passageiros. A pista do aeroporto não comporta aviões maiores e há limitações geográficas para a expansão do terminal.
Além disso, o Santos Dumont opera com capacidade reduzida, com horários de pouso e decolagem controlados por questões de segurança. Isso não deve mudar com a concessão.
Diante disso, o excesso de demanda terá de ser atendido pelo Galeão. Há cinco anos, o volume total de passageiros nos dois aeroportos do Rio ficava próximo a 30 milhões. Nos últimos anos, o movimento vem caindo por conta da crise da economia fluminense, o que foi agravado pela pandemia.
A concessionária RIOgaleão tem a Changi Airports International como investidora. A performance do aeroporto, porém, ficou aquém do estimado na época do leilão e piorou com a pandemia.
Já o Santos Dumont é considerado uma das joias da coroa da Infraero, junto com Congonhas. Os dois serão licitados na sétima rodada de concessões.
Atualmente, o projeto está na fase em que três consultorias concorrentes entre si elaboram estudos de viabilidade. Um dos trabalhos será escolhido pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para nortear a licitação.
Reunião com a prefeitura
Freitas tomou a iniciativa de ligar para o prefeito. Em um telefonema curto e amistoso, o ministro teria dito que há outras maneiras de se resolver os problemas do Galeão sem criar uma reserva de mercado ao aeroporto. Haverá uma reunião entre representantes da prefeitura e da pasta da Infraestrutura para discutir a questão, segundo fontes do governo.
A concessionária RIOgaleão tem se posicionado nos bastidores contra a ideia de que o Santos Dumont receba rotas internacionais. Procurada, a empresa afirmou em nota que “apesar de (o terminal) estar sendo impactado pela pandemia do novo coronavírus, não mede esforços para retomar a normalidade na frequência de voos”, mas não comentou sua posição sobre o projeto.
O argumento das autoridades é que a recuperação da economia local será fundamental para manter o Galeão como porta de entrada. Ao conceder Santos Dumont, a estratégia do governo é atrair investimentos de quase R$ 2 bilhões, a fim de fomentar o tráfego local no futuro, explicou um técnico.
O edital de licitação ainda está em estudo, mas a modelagem será a mesma adotada na última rodada de concessão aberta aos atuais operadores privados. Ou seja, o administrador do Galeão poderá participar da disputa e levar o Santos Dumont se entender que ser o dono da operação pode alavancar os negócios.
A Anac informou que pretende ouvir o governo do estado e a prefeitura antes de lançar o edital do leilão. A medida também dependerá do aval do Tribunal de Contas da União (TCU).