O Globo, n. 32030, 17/04/2021, Mundo, p. 25

 

Ibama deixa de gastar R$ 48 milhões contra desmatamento

Leandro Prazeres

17/04/2021

 

 

BRASÍLIA — Apesar dos constantes pedidos de recursos estrangeiros para financiar o combate ao desmatamento na Amazônia feitos pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), deixou de gastar R$ 48,8 milhões de um programa destinado exclusivamente para ações para reduzir a destruição da floresta amazônica. O dinheiro, que já estava liberado, fazia parte de um projeto cuja validade expirou no início de abril. Para não perder os recursos, o Ibama teve de pedir uma prorrogação do prazo do projeto.

Os R$ 48,8 milhões que o Ibama deixou de gastar se referem a um total de R$ 140 milhões do Projeto de Fortalecimento do Controle e do Monitoramento Ambiental para o Combate ao Desmatamento Ilegal na Amazônia (Profisc 1-B). O dinheiro faz parte dos recursos do Fundo Amazônia e foi aprovado e liberado para uso em abril de 2018 com um prazo de três anos para ser gasto. O prazo venceu no dia 5 de abril deste ano.

De acordo com o painel de monitoramento do programa, apesar do aumento nas taxas de desmatamento na Amazônia e das constantes reclamações de restrições orçamentárias feitas por Salles, o Ibama só usou 65% do total previsto, em torno de R$ 91,4 milhões, deixando um saldo de R$ 48,8 milhões ocioso. Os recursos usados pagaram pelo aluguel de aeronaves e viaturas em operações de combate ao desmatamento.

Dois meses antes do vencimento e já prevendo que não conseguiria usar os recursos a tempo, o Ibama solicitou a prorrogação do programa ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável pela gestão do Fundo Amazônia. O pedido, no entanto, ainda está em andamento.

Segundo o BNDES, o motivo alegado pelo Ibama para solicitar a prorrogação foi o de que o “O prazo planejado inicialmente não será suficiente para executar o saldo aprovado para o projeto” e por isso a prorrogação teria sido necessária.

Desmatamento na Amazônia

A demora para gastar recursos já garantidos para ações de combate a ilegalidades na Amazônia contrasta com o avanço do desmatamento na região nos últimos anos e também com a retórica adotada por Ricardo Salles nos últimos meses, que vem pedido recursos do exterior para financiar ações de preservação ambiental no país.

Em 2019 e 2020, a taxa de desmatamento na Amazônia aumentou 29%. No ano seguinte, o crescimento foi de 9,5%. No mesmo período, o Ibama suspendeu suas operações na Amazônia duas vezes por restrições orçamentárias.

 

Em entrevista concedida no início do mês ao jornal “O Estado de S. Paulo”, Salles disse que poderia reduzir o desmatamento em 40% nos próximos 12 meses se recebesse o equivalente a US$ 1 bilhão de países estrangeiros.

O pedido foi recebido com ceticismo por diplomatas estrangeiros e por entidades que atuam na defesa do meio ambiente. Especialmente porque, desde 2019, os trabalhos do Fundo Amazônia foram praticamente paralisados por questionamentos feitos pelo Ministério do Meio Ambiente em relação à estrutura de governança do fundo. De acordo com o BNDES, o fundo tem um total de R$ 2,9 bilhões disponíveis para o financiamento de ações de preservação ambiental.

 

De acordo com o secretário-executivo da organização não-governamental Observatório do Clima, Márcio Astrini, a lentidão no uso de recursos já disponíveis para o combate ao desmatamento e os constantes pedidos por mais dinheiro feitos por Salles mostrariam que o ministro não estaria, de fato, interessado em políticas de preservação da Amazônia.

 

— Se o ministro Salles estivesse interessado em proteger a Amazônia, ele não estaria pedindo mais recursos ou tentando criar um fundo totalmente novo com dinheiro estrangeiro. Ele estaria colocando o Fundo Amazônia para funcionar e usando os recursos que já existem. Mas o problema, para Salles, é que todos esses mecanismos que já existem têm regras de uso. Ele quer dinheiro para usar como quiser — afirma Astrini.

 

Procurado, o Ibama alegou que o atraso na execução dos recursos se deu por conta do projeto de lei orçamentária anual de 2021 que não teria contemplado os R$ 48,8 milhões restantes no programa, mas apenas R$ 37 milhões.

O Ibama disse ainda que a previsão é utilizar os recursos na “logística necessária ao combate ao desmatamento” no primeiro semestre.

O MMA, por sua vez, não respondeu aos questionamentos enviados pelo GLOBO.