Título: Estradas entregues ao acaso
Autor: Sérgio Pardellas
Fonte: Jornal do Brasil, 05/02/2005, País, p. A3

Departamento que vai fiscalizar obras prometidas pelo governo federal sofre com quadro técnico reduzido e falta de estrutura BRASÍLIA - O investimento de R$ 10 bilhões divulgado pelo governo federal para o Programa de Recuperação de Rodovias parecia a redenção das estradas brasileiras, mas pode se revelar um tiro no pé, sucumbindo à alarmante falta de estrutura de órgãos de fiscalização do Estado. Dados obtidos pelo Jornal do Brasil mostram a agonia do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), principal órgão executor do Ministério dos Transportes. O quadro de técnicos é reduzido, a frota de carros - com idade média de 12 anos - está sucateada e as Unidades Estaduais de Infra-Estrutura terrestre (UNIT) padecem com falta de equipamentos.

A sede do órgão em Brasília, por exemplo, conta apenas com 30 engenheiros do total de 300 funcionários. No país, são cerca de 1.900 servidores, 90% terceirizados. Apenas 300 técnicos são de carreira, o restante é cota política. O diretor-geral do DNIT, Alexandre Silveira de Oliveira, por exemplo, ligado ao PL, é delegado de polícia. Sob sua batuta está o controle de portos, ferrovias, rodovias e hidrovias - todos os modais de transporte e investimento na área de infra-estrutura do país. O diretor administrativo do órgão, Carlos Alberto Cotta, é médico.

Duas diretorias estão vagas há mais de três meses: a de Planejamento e a de Infra-estrutura Aquaviária. As sedes da 5ª UNIT - estado da Bahia - e da unidade de Vitória da Conquista (BA) são o retrato do abandono. Carros desmantelados, goteiras, paredes caindo aos pedaços e banheiros com precárias condições de uso.

- Estamos completamente desestruturados e sem condições de desenvolvermos com dignidade a enorme demanda de trabalhos que nos são atribuídos, e numa visão mais ampla podemos afirmar que esta situação ocorre no país inteiro - diz um manifesto assinado pelos servidores da unidade baiana.

Acórdão 219/2004 do Tribunal de Contas da União (TCU) diz que a ''situação é caótica, comprometendo seriamente a capacidade de fiscalização do órgão''. Sem recursos humanos e materiais, acrescenta o TCU, ''a residência não possui condições técnicas para atestar adequadamente a fidedignidade das medições e aferir a qualidade dos trabalhos''. Pode-se concluir, segundo o Tribunal, que ''pelo que foi verificado tal risco permeia toda a autarquia''.

- Fica evidenciado o risco às ações do DNIT em face da deficiência na fiscalização da execução das obras e convênios. Que se adote as providências no sentido de estruturar adequadamente o Departamento - recomendou o TCU.

No DNIT, o convênio com o Fundo Monetário Internacional (FMI) que vai injetar recursos da ordem de R$ 2,8 bilhões para revitalização das rodovias, em vez de ser comemorado, está sendo chamado de a ''farra das empreiteiras''. É o que fatalmente vai acontecer, dizem os funcionários. Além dos R$ 2,8 bilhões, estão previstos no orçamento do DNIT mais R$ 6,8 bilhões para o Programa de Revitalização das Rodovias .

Ou seja, há dinheiro, os contratos serão firmados, mas não há quadros para fiscalizar o andamento das obras e saber se vão ser realizadas ou não, dentro das especificações técnicas.

Antevendo a confusão, o coordenador geral de Manutenção e Restauração Rodoviária, Antonio Mota Filho, avisou na última semana que está deixando o cargo. Outro servidor, que pediu para não ser identificado temendo sofrer retaliação, fez um alerta: novas pontes poderão cair, numa referência à ponte sobre a represa Capivari-Cachoeira, na Rodovia Régis Bittencourt, entre Paraná e São Paulo, que desabou na última semana. Segundo o DNIT, a ponte caiu em conseqüência de uma ''catástrofe natural impossível de ser prevista''. Mas na avaliação dos servidores, a tragédia decorreu da falta de estrutura e fiscalização.

O DNIT foi implantado em fevereiro de 2002, em substituição ao extinto DNER, para desempenhar as funções relativas à construção, manutenção e operação da infra-estrutura dos segmentos do Sistema Federal de Viação sob administração direta da União nos modais rodoviário, ferroviário e aquaviário. Durante debate sobre revitalização do setor de Transportes realizado pelo Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia no fim do ano passado, Cloraldino Soares Severo, consultor e ex-ministro dos Transportes, disse que a extinção do DNER eliminou um quadro profissional experiente e, hoje, o órgão funciona com boa parte dos funcionários contratados em regime de terceirização.

- O Estado não pode ficar omisso nesta questão. Falta qualidade profissional no DNIT, nossas rodovias estão em mau estado de conservação e isso é péssimo para o crescimento econômico do país, que precisa de um escoamento adequado de sua produção - afirmou Severo.