Correio Braziliense, n. 21.143, 14/04/2021. Negócios, p. 9

 

125 milhões à beira da fome

Marina Barbosa

14/04/2021

 

 

CRISE » Insegurança alimentar atinge seis em cada 10 domicílios brasileiros, segundo estudo elaborado por universidades do Brasil e da Alemanha. No fim do ano passado, mais da metade da população não tinha acesso garantido à comida
Os pagamentos do auxílio emergencial e do Bolsa Família não evitaram o avanço da fome no Brasil durante a pandemia de covid-19. Estudo divulgado pelo movimento Food for Justice aponta que seis em cada 10 domicílios brasileiros passaram por uma situação de insegurança alimentar entre agosto e dezembro do ano passado. São 125 milhões de brasileiros que acordavam sem saber se teriam como se alimentar adequadamente.

O estudo foi feito pela Universidade Livre de Berlim em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ouviu duas mil pessoas entre novembro e dezembro do ano passado. A conclusão foi de que a insegurança alimentar, que atingia 36,7% dos brasileiros em 2018, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), alastrou no país no ano passado.

De acordo com a pesquisa, 59,4% dos brasileiros estavam em insegurança alimentar no fim de 2020, e 15% enfrentavam insegurança alimentar grave. Essa situação era mais comum em domicílios chefiados por pessoas pretas (66,8%) e por mulheres (73,8%); que têm crianças de até quatro anos (70,6%); e uma renda per capita mensal de até R$ 500 (71,4%). A insegurança alimentar também é mais frequente nos domicílios situados em áreas rurais (75,2%) e nas regiões Nordeste (73,1%) e Norte (67,7%).

"Um indivíduo do gênero masculino, cor branca, residente em área urbana da região Centro-Oeste, Sul ou Sudeste, com renda per capita acima de R$ 1 mil, é muito menos vulnerável do que um indivíduo do gênero feminino, cor negra ou parda, mãe de família vivendo em área rural ou nas regiões Norte e Nordeste", concluiu a professora de sociologia na Universidade Livre de Berlim Renata Motta.

Para a pesquisadora, esse cenário é resultado tanto das desigualdades sociais quanto das escolhas políticas e da crise que atinge o país. O estudo explica que 45,5% dos entrevistados viram a renda encolher na pandemia de covid-19, e é nesses domicílios que estão os mais altos níveis de insegurança alimentar moderada (18,6%) e grave (21,6%). Mesmo nos domicílios que receberam o auxílio emergencial a taxa de insegurança alimentar é alta: 74,1%. A incerteza sobre a alimentação ainda é frequente nas casas que contam com a ajuda do Bolsa Família (88,2%) ou aposentadoria (56,4%).

A pesquisa constatou uma redução de 85% do consumo de alimentos saudáveis nos domicílios em situação de insegurança alimentar , sobretudo de carnes (44%), frutas (40,8%), hortaliças e legumes (36,8%). A menor foi do consumo de ovos (17,8%), que se tornaram um substituto da carne em muitas casas brasileiras.

Para Renata Motta, a situação teria sido pior sem o auxílio emergencial. Por isso, pede a manutenção do benefício e a revisão dos valores que estão sendo pagos pelo governo neste ano — R$ 150, R$ 250 ou R$ 375, de acordo com a formação familiar.