Título: Um líder no campo de batalha
Autor: Augusto Ariston
Fonte: Jornal do Brasil, 04/03/2005, Outras Opiniões, p. A11

A escolha do novo presidente da Câmara dos Deputados não pode ser encarada como um mero episódio do cotidiano da política. Ela representa a síntese do momento que vivemos.

A elite do PT no governo, dissociada das bases do partido, do povo e da representação política do país, comportou-se nesses dois anos de governo Lula como uma ''classe superior'', tratando os seus correligionários, aliados e opositores de forma autoritária e prepotente, desrespeitosa, ensinando, teorizando, criticando, menosprezando, ao mesmo tempo em que não reunia condições para administrar o país.

Instalou-se a república da inércia e do palavrório.

O governo Lula está vivendo uma crise ética e de gestão. Seus quadros são fracos e inexperientes, verdadeiros amadores, exceto na intriga; o presidente vive um descolamento da realidade.

Existe um Brasil virtual, na televisão, e um real, no cotidiano da população. O primeiro, maravilhoso, do avião a jato e dos palácios reformados e equipados, batendo recordes de carga tributária e arrecadação de impostos, de juros altos e com as contas externas em dia, para deleite da banca internacional. O outro, desempregado, sem perspectiva, sem saúde, educação, segurança e sem alcançar os níveis básicos para uma vida com dignidade.

Duas pequenas histórias são suficientes para demonstrar o abismo que separa o país dos seus dirigentes e mostra o grau de deslumbramento e inépcia com que agem.

A primeira, a entrevista do estilista do presidente Lula e de dona Marisa, ao jornal O Globo, do dia 27 de fevereiro deste ano. Entre outras preciosidades, afirma: já entreguei mais de cem peças em tecidos finos - pied-de-poule, linho, malha de lã, sedas, madras, xadrez príncipe de Gales - que, como diz, caem bem para o casal. E continua: Lula deve ter 50 ternos, que combina com camisas com seu monograma e gravatas de cores vivas. Fala ainda: além de terninhos, tailleurs, calças capri, casacões e bolsas, muitas bolsas. Uma dourada, bordada de pedras preciosas, segundo Ivan, chamou a atenção da rainha Sofia na viagem do casal brasileiro à Espanha. ''Dona Marisa pôs a bolsinha na mesa e a rainha não parava de olhar! Aí, dona Marisa lhe entregou nas mãos para a rainha olhar melhor''. O costureiro conta que, a cada viagem, dona Marisa encomenda cerca de seis roupas. Para o Haiti, foram seis terninhos e calças leves de linho apapelado, por causa do calor.

A outra, o pronunciamento de Lula durante o fórum social em Porto Alegre, após receber vaias da platéia. Reagindo, disse: ''a democracia é um gesto democrático que se faz pela boca por aqueles que não tem paciência para ouvir a verdade''.

Quanta bobagem, quer de fundo quanto de forma.

O Brasil está vivendo um período inusitado da sua história. Exalta-se o inculto como receita de sucesso. Até uma associação dos não diplomados foi fundada, sob a liderança do Lula. Afronta-se quem estudou e estuda. Não há reconhecimento àqueles que se qualificaram. Exalta-se a mediocridade. Até o idioma inglês é perseguido, e logo no Itamarati. Quadros técnicos do governo são substituídos por ''companheiros'' e os resultados dessas gestões todos sabemos. O país vai mal, e o que é pior, está num plano inclinado, sem possibilidade de recuperação. O modelo econômico é exportador e, portanto, concentrador de renda. Tudo ao contrário do prometido durante 25 anos pelo PT. O desastre avizinha-se.

O que aconteceu com os deputados federais foi que eles enxergaram isso antes da população, e na Câmara o Brasil real engoliu a Brasil virtual, montado em factóides, engendrado nos truques do marketing político, da propaganda do estado.

Nesse contexto de incertezas e perplexidades o presidente do PMDB do Rio de Janeiro, o ex-governador Anthony Garotinho, teve clareza da situação, e enquanto os outros líderes partidários ficaram em suas bases ou escondidos, atuando discretamente na eleição do presidente da Câmara ou não participando, Garotinho dirigiu-se ao palco dos acontecimentos, Brasília, e sozinho naquele mundão oficial do cerrado goiano, montou a estratégia e as táticas da batalha. Reuniu a sua aguerrida tropa, e a frente dela deu o bom combate, levando o governo Lula as cordas do ringue. O processo eleitoral tomou outros atalhos e deu Severino, por absoluta rejeição ao governo Lula.

Garotinho, ao comprovar com esse gesto sua competência política, tornou-se definitivamente um político nacional.

A acachapante derrota parlamentar sinaliza para o governo Lula uma futura derrota eleitoral, e é bom que aconteça, enquanto o país ainda resiste.