O Estado de São Paulo, n. 46468 , 07/01/2021. Notas & Informações, p. A3

 

O Bolsonaro de sempre

07/01/2021

 

 

 

No segundo dia útil do ano, o presidente Jair Bolsonaro deixou claro que não se pode alimentar nenhuma esperança em relação a seu comportamento. Ele continuará exercendo o mesmo papel paradoxal que assumiu ao longo dos dois primeiros anos de mandato: o de governante que, em vez de construir, destrói – e ainda se faz de vítima. "O Brasil está quebrado, chefe. Eu não consigo fazer nada", disse Jair Bolsonaro, na terça-feira passada, a um apoiador na saída do Palácio da Alvorada, como desculpa pelo fato de não ter cumprido a promessa de alterar a tabela do Imposto de Renda.

Destaca-se, em primeiro lugar, que a fala desastrada não foi simples deslize verbal. Ela está em total consonância com o modo pelo qual Jair Bolsonaro vem se referindo, desde a posse, ao seu governo e à sua incapacidade de governar. No primeiro semestre de 2019, por exemplo, o presidente da República divulgou um texto em que afirmava ser o País "ingovernável" e "disfuncional".

Diversas vezes, Jair Bolsonaro admitiu sua falta de eficácia no Congresso. "Realmente eu não consigo aprovar o que eu quero lá", disse, por exemplo, em fevereiro do ano passado. É no mínimo excêntrico que um presidente da República proclame, desde a aurora de seu mandato, sua ineficiência e inaptidão para o cargo. Fica evidente o intento de se apresentar como vítima, como alguém que deseja a todo custo se esquivar de sua responsabilidade.

Mas o problema não é apenas que o presidente Bolsonaro seja incapaz de cumprir suas promessas – o que, não raro, é um benefício ao País. O grave é que Jair Bolsonaro, além de não construir, faz questão de destruir o que está de pé. Tal ímpeto demolidor ficou evidente, por exemplo, na declaração de terça-feira.

O País luta contra uma grave pandemia. Não se sabe quando haverá vacina para os brasileiros. O desemprego alcança taxas alarmantes. A economia tenta a duras penas se aprumar. E o presidente da República vem dizer que o Brasil está quebrado? Haja irresponsabilidade. Haja insensibilidade.

A quem se apressou a dizer que a fala de Jair Bolsonaro não causou nenhum prejuízo – teria sido apenas uma metáfora, perfeitamente entendida por quem tinha de entender –, o retorno antecipado das férias de Paulo Guedes pode ajudar a mostrar que as coisas são um pouco mais complexas. O ministro da Economia foi convocado às pressas para uma reunião ministerial, ocorrida ontem no Palácio do Planalto, precisamente para tratar dos desdobramentos da declaração presidencial.

Além disso, não cabe atestar agora, de imediato, a tal ausência de danos para o País, e sim nas próximas negociações da dívida pública. Certamente, os negociadores do governo não ficaram felizes com o presidente da República declarando que o Brasil está quebrado. Nas próximas rodadas, o trabalho desses profissionais será mais difícil. Ao menos, terão de explicar por que o governo continua tendo condições de arcar com seus compromissos mesmo tendo à frente do Executivo quem não arca com a responsabilidade de suas falas.

Se o presidente Jair Bolsonaro está mesmo convencido de que o Brasil está quebrado e de que ele não pode fazer nada, é imperioso – para o bem do País e dos brasileiros – que renuncie o quanto antes. Não há lugar para um presidente da República assim amuado, a fazer-se de vítima na porta do Palácio da Alvorada perante seus apoiadores.

Sempre, mas especialmente na atual situação, com a pandemia e a crise social e econômica a assolar as famílias brasileiras, o que o País precisa é de um presidente da República brioso, que assuma valentemente suas responsabilidades. Entre elas, a de cuidar do que fala.

O Brasil tem muitos desafios a serem enfrentados e muitas reformas a serem feitas. O caminho é longo e não há tempo a perder. Se o presidente Jair Bolsonaro vê que em nada pode contribuir, não basta que ele admita em voz alta sua irrelevância. É tempo de ele encontrar uma ocupação mais afeita às suas aptidões. A Presidência da República exige responsabilidade de quem a exerce, uma vez que seus atos e suas falas têm consequências.