O Globo, n. 32031, 18/04/2021, Rio, p. 17

 

Entrevista - Cláudio Castro: “tentam me rotular na contramão das minhas ações”

Cláudio Castro

Maiá Menezes

João Paulo Saconi

18/04/2021

 

 

No ápice da pandemia, à espera da oficialização de seu cargo, o governador em exercício do Rio, Cláudio Castro (PSC), diz em entrevista ao GLOBO que se incomoda com os “rótulos” que políticos ganham por posicionamentos sobre a Covid-19. No caso dele, a pecha de negacionista vem da relação com o presidente Jair Bolsonaro, cujo apoio ele não descarta em eventual busca pela reeleição em 2022. Hoje, a aliança se justifica porque, para Castro, “o Rio precisa umbilicalmente do governo federal”. O tom amistoso difere do bélico adotado contra o Palácio do Planalto por Wilson Witzel, seu antecessor e correligionário, afastado judicialmente do governo em agosto e prestes a ser removido em definitivo dele, no impeachment decorrente de escândalos na Saúde.

Não é de hoje que o Rio vive uma enxurrada de crises. Qual a prioridade do senhor?

O combate à Covid-19, que nos fez perder 40 mil vidas no Rio. Não dá para ter outra prioridade. Mas há crises diversas. Também são prioritárias a segurança, a economia e o Regime de Recuperação Fiscal, que é complicadíssimo.

Considera novas paralisações para conter a Covid-19, além do feriado do fim de março?

Não tenho problema em tomar medida alguma, desde que ela seja técnica. E os meus técnicos da Saúde sempre foram contra o lockdown total. Fiz quatro decretos, o último altamente restritivo. Fechei parques e praias, coisas que a imprensa e a oposição disseram que eu não faria.

Essa expectativa não vem do alinhamento entre o senhor e o presidente Bolsonaro?

Dialogo com todo mundo. Sou alinhado com os prefeitos, sem olhar para a ideologia deles. Como vou ter essa postura com eles e com o governo federal não? O Rio precisa umbilicalmente do governo federal para sobreviver. Seria irresponsável da minha parte não estar alinhado com os prefeitos e o governo. Ajo com convicção, não por alinhamento. Ficam tentando me rotular na contramão das minhas ações.

Há boa vontade de Bolsonaro?

Muita boa vontade. A ninguém interessa quebrar o estado, um dos que mais colabora em impostos para a União. Prejudicar o Rio é comer a galinha dos ovos de ouro no jantar, seria uma falta de inteligência.

O senhor afasta a ideia de subserviência a Bolsonaro. Há uma busca por autonomia?

Na escolha do procurador-Geral de Justiça do Rio, diziam que eu escolheria o candidato bolsonarista (Marcelo Monteiro), mas escolhi o mais votado (Luciano Mattos). No secretariado, tirando a Segurança, não há militares. O da Educação (Comte Bittencourt) é do Cidadania. O do Meio Ambiente (Thiago Pampolha) é do PDT. Além disso, defendi a vacina sempre.

Se defende a vacina, por que montar um comitê em que há defensores de remédios ineficazes contra a Covid-19?

Sempre foi o pessoal da Saúde que ditou os protocolos contra a Covid. Só administramos remédios comprovados. Isso não vai mudar. O comitê é consultivo, ligado a mim, para a análise de dados.

Carlos Chaves, secretário de Saúde, negou saber do comitê.

Conversamos em uma reunião em que ele e o Edmilson Migoswki (infectologista, presidente do comitê) estavam um ao lado do outro.

Qual a opinião do senhor sobre remédios que, sem estudos científicos, são utilizados em tratamentos profiláticos ou precoces?

No Rio, já investimos mais de R$ 89 milhões em pesquisas com UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Faperj (Fundação do Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro). Temos também uma parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia. Não aplicamos nada que não fosse dito pela ciência. O governador não impõe tratamento algum. Isso é decidido pelo secretário de Saúde e a sua equipe. Na reunião com os Três Poderes, falei que é triste esse Fla-Flu. Talvez, em algum lugar do mundo, exista uma solução que pode ser boa e já chega no Brasil como salvação ou como algo a ser defenestrado. Da mesma forma que a vacina, talvez a gente possa olhar nos estudos do mundo todo e encontrar um remédio que funcione. Sempre olhando pela ciência, sem disputa política.

O senhor contrariou a Saúde ao celebrar seu aniversário, em março. E cantou pagode com amigos em fevereiro.

Em fevereiro, quando o (primeiro) o vídeo foi gravado, o decreto permitia roda de samba. Eu não o feri em absolutamente nada. Já falei sobre isso, dei as explicações necessárias e bola para frente. Tudo na vida é aprendizado.

O que o senhor aprendeu?

Muitas coisas internas e pessoais. Inclusive sobre a agressividade exagerada da qual os político são alvos.

Junto à Covid, a geosmina na água é outra crise do Rio.

O problema estará resolvido até o próximo verão. Estamos fazendo um bypass e uma barragem que vão aliviar muito. O problema, dessa vez, é a vigésima parte daquele do ano passado. Só que mais alongado.

Qual é o grau de influência política na Cedae hoje, às vésperas da privatização? A estatal já esteve sob domínio de pastor Everaldo, que presidia o partido do senhor.

O processo de privatização está muito bem. O leilão está marcado para o dia 30 de abril (na sexta-feira, uma liminar suspendeu o pregão), o maior leilão da América Latina hoje. Vai ser uma concessão para entrar para a história, com investimentos volumosos nos 12 primeiros anos. Alguém que está batalhando tanto para concessionar, como eu, não quer influência política. Não há ninguém ligado a mim na Cedae.

A fome também é uma questão aguda. O que fazer?

O auxílio emergencial estadual começa este mês, com 170 mil famílias. Queremos abrir dez Restaurantes do Povo até o fim do ano. Duque de Caxias já foi, e Campos e São Gonçalo estão encaminhados. Há planos para três deles na capital e outros em Nova Iguaçu e São João de Meriti.

Investimentos como esses exigem recursos e a falta deles é outro problema do Rio. Como está a situação do Regime de Recuperação Fiscal?

Hoje, o Rio está pendurado por uma liminar no Supremo Tribunal Federal que o mantém no regime de recuperação antigo. A lei complementar que mudará essa situação deve ser regulamentada na próxima semana. Entraremos no novo regime com tudo pronto para ele, não creio que tenhamos problemas. Teremos dez anos para pagar as nossas dívidas. O plano antigo prevê dois períodos de três anos. Até aqui, nossa Lei de Diretrizes Orçamentárias melhorou e a reorganização administrativa resulta em sinais de melhora.

Na Segurança, Witzel ficou marcado pela postura bélica. Qual será a sua marca?

A do planejamento. O Rio não pode sofrer o que sofria. Começamos pela asfixia financeira das milícias, bloqueamos R$ 1,5 bilhão delas através de um laboratório sobre lavagem de dinheiro e parcerias com o Ministério Público e o Judiciário. Tenho cobrado da equipe que a gente proteja a vida do inocente, do policial. As operações nas comunidades precisam ser feitas com inteligência.

O senhor escolheu não ocupar o gabinete de Witzel e despacha do anexo do Palácio Guanabara. Por que?

Aqui (no anexo) é muito funcional. Tem a minha cara. Lá (no Palácio Guanabara), é uma sala muito grande e exposta, me incomoda. Nem sempre tenho que participar de todas as reuniões e aqui, com quatro salas ao meu alcance, posso passar apenas para cumprimentar. Tudo é menor e mais compacto. Ainda que aconteça (o impeachment), há 99,99% de chances de eu ficar aqui. O Guanabara vai ser para receber autoridades que nos visitem ou para reuniões maiores.

O senhor se surpreendeu com a corrupção presente em seu próprio grupo político, demonstrada através do afastamento de Witzel pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em agosto do ano passado?

Estamos muito perto de uma finalização de um processo de impeachment e qualquer coisa que eu fale pode fazer parecer que eu quero ou não que ele aconteça. Não seria de bom tom da minha parte diante do tribunal misto que decidirá sobre o tema.

Mas após os acontecimentos da gestão de Witzel, o senhor ainda acredita na ideia da "nova política", por meio da qual foi eleito?

Depende muito de quem está sentado aqui (no governo). Na minha gestão, buscamos o tempo inteiro ações que combatam a corrupção. Meu primeiro decreto bloqueou todos os pagamentos por 15 dias e o segundo bloqueou todos os restos a pagar. Criamos uma comissão de análise de despesas. Temos uma equipe muito forte de controle e controladoria, de compliance, de Justiça e boas práticas. Tenho a consciência do que tenho que fazer: não permitir que haja corrupção dentro do governo.

O governo Witzel reforçou a sensação de que a corrupção segue à espreita no Rio. Esse sentimento é reversível?

Olho muito para frente. Faço aquilo que considero correto. Mudei tudo o que tinha denúncia e escândalo. Coloquei grupos completamente diferentes. Erros vão acontecer? Vão. Ninguém é infalível, eu não me sinto o Super-Homem. Não sou a salvação da Humanidade. Mas estou fazendo o que considero correto.

Ainda assim, há a delação em que o empresário Bruno Selem o acusou de receber R$ 100 mil em propina, em 2019.

Foi uma delação lida, que a lei proíbe ser lida. E foi vazado o vídeo lido. Fui citado sem prova, e estou processando a pessoa. Espero que a Justiça aja com Justiça.

O senhor afirmou recentemente que seu partido o acolhe satisfatoriamente. No entanto, circula de maneira contínua a informação de que deixará a sigla rumo a outro destino, possivelmente o PSD ou o PP. Há alguma certeza sobre a mudança?

Vou anunciar meu partido em maio. O PSC me acolhe muito bem. O PSD e o PP são dois excelentes partidos e tem mais alguns que me convidaram. Tenho uma história e, antes de ser vereador, era chefe de gabinete. Há um respeito pela trajetória. Sou um cara de diálogo aberto, o que as pessoas gostam. Além de ser governador do segundo maior estado da federação.

De olho no ano que vem, a proximidade com Bolsonaro cria uma percepção entre políticos de que ele pode vir a apoiá-lo para a reeleição.

Nesse momento, com 40 mil mortos na pandemia e nós em vias de um Regime de Recuperação Fiscal, estou muito focado em resolver os problemas. Não é o momento de falar de eleição. Falam que a gente está fazendo (política) e sempre vão falar, é do jogo. Mas meu foco é na gestão.