O Globo, n. 32015, 02/04/2021, País, p. 10

 

Assembleia de SP afasta por 180 dias deputado acusado de assédio

Guilherme Caetano

02/04/2021

 

 

Com 86 votos a favor e nenhum contra, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou ontem o afastamento por 180 dias do deputado Fernando Cury (Cidadania), punido por ter assediado a colega Isa Penna (PSOL) durante uma sessão em dezembro. A pena, inicialmente uma suspensão de 119 dias aprovada pelo Conselho de Ética, foi ampliada após acordo costurado de última hora com as lideranças partidárias.

Flagrado apalpando o seio de Isa Penna, Cury ficará sem salário por seis meses. Os funcionários de seu gabinete também ficarão sem trabalhar no período da suspensão, já que o suplente pode contratar seus próprios assessores — Padre Lobato (PV) deve sr convocado.

A Assembleia deve convocar o suplente do deputado, Padre Lobato (PV). Ao menos 20 parlamentares se manifestaram nos últimos dois dias a favor da cassação de Cury. Ainda assim, o aumento de dois meses na pena do parlamentar foi comemorado principalmente pelas mulheres da Casa.

— Hoje estamos dando uma resposta à sociedade. A Alesp está punindo uma transgressão. A primeira condenação para que nunca mais atos desse tipo possam ferir a ética e o decoro parlamentar — afirmou Maria Lúcia Amary (PSDB).

O rigor da punição foi motivo de debates desde anteontem. O presidente da Assembleia, Carlão Pignatari (PSDB), relutou em permitir que os deputados apresentassem uma emenda para aumentar a punição. Ele se baseou num parecer da Procuradoria da Casa, que afirmou que um projeto de resolução não poderia receber emendas. Pignatari foi pressionado e decidiu convocar uma reunião com o Colégio de Líderes para chegar a um consenso.

Isa Penna disse não estar satisfeita com o afastamento de 180 dias, mas declarou ser uma pequena vitória não aprovar o texto proposto pelo Conselho de Ética, formulado por cinco homens.

— É lamentável que o possível desta Casa seja (um afastamento de) seis meses. Isso não quer dizer que me convenceram de que o Cury não mereça ser cassado. Mas não faço política no parlamento que eu quero, faço política no parlamento que existe — declarou.

Ao GLOBO, Isa Penna afirmou que a punição a Cury é um “momento histórico” da Alesp. Foi a primeira vez que um deputado teve o mandato suspenso por importunação sexual.

— Deixamos um recado para a sociedade: a Alesp não aceitará assédio, nós, mulheres, não vamos aceitar assédio, seja ele moral, sexual ou psicológico.

A deputada teve apoio de colegas mulheres de diferentes espectros ideológicos. Ainda assim, houve quem apoiasse Cury. O bolsonarista Douglas Garcia (PTB) usou seu tempo de debate no plenário para criticar o movimento feminista, que classificou de “demoníaco”. Frederico d'Avila (PSL) chamou o assédio cometido pelo colega de “deslize”.

— Está se fazendo uma carnificina, um massacre por conta de um deslize. Nós não podemos tomar uma atitude totalmente desproporcional por aquilo que aconteceu —disse.

Em nota, Cury afirmou receber “com serenidade e de forma respeitosa, a decisão do plenário da Assembleia, determinada pelos colegas deputados”.

OUTRAS APURAÇÕES

Cury também é alvo de uma investigação criminal sobre o caso aberta pelo Ministério Público de São Paulo. No pedido de investigação, a Promotoria informou que “os fatos, em uma preliminar análise, podem ter contornos de infração criminal” e de “crime contra a liberdade sexual”. O deputado também é alvo de um processo disciplinar no Cidadania, que o afastou dois dias após o caso.

Em 16 de dezembro, durante uma votação do orçamento estadual no plenário da Alesp, Cury abraçou Penna por trás, enquanto ela conversava com integrantes da Mesa Diretora, e apalpou seu seio, sem consentimento. A deputada então denunciou o colega ao Conselho de Ética por importunação sexual.

Ao colegiado, Cury negou ter tido a intenção de assediá-la e descreveu a abordagem como “um abraço rápido e superficial” e “um gesto de gentileza”. Por cinco votos a quatro, a comissão aprovou uma punição de 119 dias de afastamento ao acusado no lugar da sugestão do relator, Emídio de Souza (PT), de uma suspensão de seis meses.