O Globo, n. 32015, 02/04/2021, Segundo Caderno, p. 2

 

Governo demite quinto presidente da Funarte

Pedro Willmersdorf

Ricardo Ferreira

02/04/2021

 

 

A Fundação Nacional de Artes (Funarte) teve o seu comando trocado pela sexta vez em pouco mais de dois anos de governo do presidente Jair Bolsonaro. A exoneração do coronel da reserva do Exército Lamartine Barbosa Holanda da presidência da órgão foi publicada em edição extra do Diário Oficial na noite de quarta-feira. Quinto titular da pasta, ele estava no cargo desde setembro do ano passado, quando substituiu Luciano Querido, ex-assessor do vereadore Carlos Bolsonaro (Republicanos), que ficou apenas quatro meses à frente da entidade.

A demissão de Holanda foi assinada por Sergio José Pereira, secretário-executivo da Casa Civil. O nome do próximo presidente da fundação ainda não foi anunciado pelo governo. Em nota publicada em seu perfil no Instagram, o secretário especial da Cultura, Mario Frias, citou uma “necessidade de reestruturação da Funarte”, mas sem mencionar a exoneração do militar.

“Na condição de secretário especial, sou o responsável pela supervisão ministerial das entidades vinculadas. Hoje chegamos à conclusão da necessidade de reestruturação da Funarte e iniciamos os trabalhos para que todos tenham acesso às políticas culturais de forma clara e objetiva. Este é o primeiro passo para mudanças necessárias em busca da popularização da cultura”, diz o texto de Frias.

Ao jornal “Folha de S.Paulo”, o agora ex-presidente da Funarte afirmou que apresentou um relatório apontando inconsistências na pasta da Cultura, mas negou que houvesse denúncias ou retaliações. Segundo Holanda, ele entrou em conflito com superiores hierárquicos por se recusar a colocar equipamentos do órgão em parcerias público-privadas e defendeu o papel da entidade. Procurado pelo GLOBO, o ex-presidente não atendeu os pedidos da reportagem.

O coronel da reserva não tinha experiência na área cultural antes de assumir o cargo. Em seu currículo, Em seu currículo, ele destacou cursos de roteirista na Escola de Cinema de São Paulo e de gestão de direitos do processo de financiamento de projetos audiovisuais com recursos públicos.

MUDANÇAS E POLÊMICAS

Entre nomeados, interinos e substitutos, já passaram pela Funarte, desde o início de 2019, além de Holanda e de Luciano Querido, o ator Stepan Nercessian (até fevereiro de 2019), o pianista Miguel Proença (de fevereiro a novembro de 2019) e o maestro Dante Mantovani (dezembro de 2019 a março de 2020). Mantovani, que causou polêmica por suas posições sobre o caráter supostamente satânico do rock, foi demitido pela então secretária da Cultura Regina Duarte. Entre sua saída e a chegada de Querido, em maio de 2020, quem respondeu pela Funarte foi o servidor de carreira Marcos Teixeira Campos, indicado por Regina Duarte.

As controvérsias na Funarte não se restringiram à presidência. Após ter sido indicada em abril como coordenadora do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a turismóloga e blogueira Monique Aguiar teve a nomeação suspensa pelo então ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, em 16 de junho. Dois meses depois, Monique foi nomeada coordenadora de Projetos Especiais da Diretoria-Executiva da Funarte.

Outro coronel do Exército, Álvaro Roberto Cruz Ferreira Lima, foi nomeado em 8 de outubro para o Centro de Programas Integrados da fundação, responsável por preservar e difundir o acervo de 400 mil itens mantido pelainstituição.

A alta rotatividade no comando da Funarte se soma a outras queixas da classe artística à gestão federal na cultura. Como o GLOBO mostrou anteontem, há quase R$ 500 milhões em patrocínios privados a projetos culturais parados à espera de decisões administrativas da secretaria. A paralisação atinge também a Ancine, que travou o desembolso para produções audiovisuais. Tudo isso em meio à pandemia da Covid-19 que já dura um ano vem castigando todo o setor.

ARTISTAS LAMENTAM

Para a cantora Teresa Cristina, as turbulências na Funarte, especificamente, mexem com suas memórias afetivas.

— O desmonte que esse governo faz com a cultura é muito triste. Dói muito na gente ver a Funarte nesse estado — lamenta a sambista. — Já fiz tanta coisa ali no prédio da fundação, na Rua da Imprensa, na Cinelândia. Foi ali que realizei shows com Xangô da Mangueira, Tantinho, Jurandir, Monarco, Roque Ferreira, Argemiro, Seu Jair, Surica.

Para Fabio Szwarcwald, diretor executivo do Museu de Arte Moderna do Rio (MAM), é necessário, antes de tudo, ocupar a presidência de uma instituição como a Funarte com um quadro técnico e experiente.

— Essa grande quantidade de nomeações em dois anos se torna um indicador grave de descontinuidade de projetos. Essa função deve ser ocupada por alguém do setor cultural, com ampla trajetória de gestão e boa capacidade de diálogo com a classe artística —analisa Szwarcwald. —A Funarte é um órgão estratégico para a promoção e difusão da cultura brasileira, que corresponde a 4% do PIB nacional.

Fundador e presidente da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio), o produtor Eduardo Barata vai ainda mais a fundo em sua análise da situação da Funarte. Ele acusa o atual governo de comandar um “projeto maior” cujo objetivo é “aniquilar” a economia do setor cultural.

— O que temos são marionetes que, no caso da Funarte, cumprem ordens para piorar a operacionalização da Lei Rouanet — diz Barata. — A questão é perseguir quem se coloca contra a opinião deles e as pessoas que eles acham que são comunistas, petistas etc. Então, pode botar a pessoa que for. Tira um general, bota um capitão, tanto faz.