Título: Reforma sim, polícia não
Autor: Maurício Souza Neves Filho
Fonte: Jornal do Brasil, 04/03/2005, Brasília - Opinião, p. D2

Dentre tantas manifestações contrárias ao anteprojeto do MEC para a reforma universitária, há uma voz que repercutiu mais alto no meu modo de compreender a educação oferecida aos brasileiros. Essa voz é a do presidente da Associação de Ensino Superior do Rio de Janeiro, professor Magno de Aguiar Maranhão, que enleva o tom das discórdias quando raciocina: ''o mundo todo hoje aposta na pluralidade de modelos para o ensino superior. Os adeptos da teoria da conspiração, que vêem nesse impulso de diversificação um complô do primeiro mundo para implantação nos países em desenvolvimento de um sistema de educação empobrecido, voltado para o mercado e não para a formação de conhecimento, com o propósito de nos manter na dependência de tecnologia fabricada lá fora. Mas, ao contrário, a aceitação da pluralidade apenas permitirá que exploremos toda nossa potencialidade e enriquecemos nosso sistema educacional. Isso é óbvio, mas não para o MEC. Recebemos um projeto de reforma amarrado ao modelo das universidades de pesquisa que, em um desvio para trás, resolveu suprimir até a autonomia dos centros universitários''.

A questão está aí resumidamente colocada. Logo no primeiro parágrafo da justificativa do anteprojeto, o Ministério da Educação preconiza: ä educação é um elemento constituinte do novo modelo de desenvolvimento que estamos construindo no Brasil. Ela é vital para romper com a histórica dependência científica, tecnológica e cultural de nosso país e consolidar o projeto da nação democrática, autônoma, soberana e solidária''. Como, se o anteprojeto apresenta-se incoerente e autoritário? Será que o governo ignora a importância dos centros universitários para a autonomia cultural de nosso país? Seremos todos nós, mantenedores de ensino privado, antibrasileiros? Será que o MEC não sabe que, por exemplo, no campo do desenvolvimento de sistemas de informatização o profissional brasileiro vem se destacando pela criatividade e enorme potencial nas principais e maiores empresas do mundo? E os arquitetos, os engenheiros, os jornalistas, os designers, os fotógrafos? São todos oriundos do ensino público? Admitimos um marco regulatório, mas queremos o reconhecimento de nossa função social. As mantenedoras do ensino superior particular do DF e as de todo o Brasil não podem aceitar o rótulo generalizado de mercantilistas que nos impinge agora o MEC e por isso apresenta uma lei de estatização e doutrinação das faculdades, de controle policialesco.

Ainda na justificativa do MEC, intitulada Por Que Reformar, o texto diz: ''o governo atual optou na valorização da universidade pública e defesa da educação como um direito de todos os brasileiros''. Como garantir isso se não investir muito mais verbas no ensino básico e fundamental? Por que não encarar de vez esse problema? Quem é que chega à universidade? E por quê chega? O país não precisa de uma reforma do ensino superior e sim de reforma do ensino, pensando-se no todo e no papel dos governos municipais, estaduais e o federal, e também o das instituições privadas nesse processo.

A proporção de alunos matriculados nas instituições particulares de ensino superior está na casa dos 70% dos estudantes brasileiros, uma média alta em relação a alguns países chamados desenvolvidos. Entretanto, segundo comparações levantadas por pesquisadores do Observatório da Universidade Cândido Mendes, apesar de o Brasil destoar dessa média, não é o grau de privatização que determina, necessariamente, o fracasso de educação em cada país. Para exemplo: Japão, Coréia do Sul e Israel têm percentuais de alunos na rede particular ainda maiores do que o Brasil respectivamente 73%, 74% e 88% e com freqüência são apontados como modelos de nações que investem na qualidade da educação.

Gostaríamos de assistir a um debate mais longo e abrangente. Existem, na proposta, pontos obscuros. Precisamos de garantias de que conselhos superiores e relatórios não interfiram em nossa gestão. Questionamos mais esse 'imediatismo doutrinário', como aqueles que o governo já tentou impor a outras áreas de atuação da sociedade civil organizada, respaldadas pela Constituição.