O Estado de São Paulo, n. 46470, 09/01/2021. Economia, p. B3

A corrida política pelo auxílio
Adriana Fernandes
09/01/2021



Cacique do MDB, o senador Renan Calheiros chamou pelas redes sociais de “pasmaceira que não resolve nada” o quadro atual em que problemas pendentes se acumulam exigindo resposta do Congresso para o plano de vacinação contra a covid19, o auxílio emergencial e o Orçamento deste ano.

A cobrança do senador e de cada vez mais parlamentares é pelo fim do recesso parlamentar para o enfrentamento da situação de calamidade que passa o País e que não terminou com a virada de 2020 para 2021. Já há requerimento para uma convocação extraordinária do Congresso para discutir novo decreto de calamidade e a prorrogação do auxílio.

Era de se esperar que isso, de fato, fosse acontecer para o Congresso acompanhar de perto e pressionar o governo a correr com as medidas necessárias nesse janeiro tenebroso.

Vamos lembrar que, no início da pandemia, o Congresso teve papel fundamental na aceleração da ação do governo para a adoção das medidas que impediram um desastre ainda maior. Mais uma vez, porém, uma eleição está no caminho de decisões urgentes.

Como aconteceu, no ano passado, na campanha eleitoral municipal, a eleição do Congresso empurra com a barriga os problemas. É por isso que o ano entrou sem uma solução para o fim do auxílio. O mês de fevereiro virou o novo mote da salvação. Mas é para depois da eleição, viu leitor!

De um lado, Renan, o presidente Rodrigo Maia, o candidato Baleia Rossi e tantos outros parlamentares que têm o interesse de acabar com recesso parlamentar por estratégia eleitoral para seus candidatos. Candidato à presidência da Câmara, Baleia Rossi já defendeu a prorrogação do auxílio emergencial e a convocação do Congresso.

Do outro lado, Jair Bolsonaro, Davi Alcolumbre, lideranças governistas, o candidato Arthur Lira e aliados não querem dar palco para os opositores.

O cálculo político do primeiro grupo é o de que na data da eleição, no início de fevereiro, a pandemia estará mais forte e com a vacinação (na melhor das hipóteses) apenas começando. A piora da pandemia terá impacto na eleição.

No governo, a expectativa é que o seu candidato ganhe as eleições e lidere essa agenda. Por isso, prefere esperar para agir depois do resultado da eleição, no início de fevereiro.

Baleia Rossi acenou com a prorrogação do auxílio. E Arthur Lira falou, logo em seguida, que é preciso cuidar dos mais pobres reorganizando os programas de renda, “mas sem abrir mão da austeridade fiscal e do teto de gastos”.

Lira disse que a “demagogia fiscal sempre custa caro para o País e, em especial, para os mais pobres”. O mais provável, porém, é que o discurso fiscalista de agora caia por terra daqui a pouco com os números do avanço da pandemia. Não vai demorar muito porque a pressão dos parlamentares e governadores é crescente.

Como na disputa política entre o presidente Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria, pela vacina, a corrida pela prorrogação do auxílio e medidas urgentes para a vacinação vão dar o tom da campanha.

O mercado financeiro tem reagido às declarações de apoio à prorrogação do auxílio como um risco fiscal que piora os indicadores. A fala de Baleia em apoio ao benefício, no dia da formalização da sua candidatura à sucessão de Maia, causou apreensão. Fato comemorado pelo governo. Baleia, inclusive, já teve de fazer ajustes no seu discurso ao pregar também responsabilidade fiscal. Estranhamente, houve uma inversão de papéis.

Não deve adiantar, porém, a reação do mercado. Chega uma hora que não dá para brigar com os acontecimentos. É o mesmo script do início da pandemia. O auxílio deverá ser prorrogado e decretada nova calamidade. A questão agora é saber quem vai comandar essa agenda, controlar o seu alcance e timing: antes ou depois das eleições.

Independentemente dos interesses que cercam as eleições do Congresso, é preciso prontidão máxima que o controle da doença exige neste momento. Não só pelo auxílio, mas, sobretudo, pela vacinação. O Congresso precisa retomar os trabalhos. Esse recesso é totalmente despropositado. A agenda é urgente demais para esperar. O uso político que se pode fazer de uma convocação desse tipo é efeito colateral. Não se pode deixar de fazer a coisa certa por receio do efeito colateral. Porque aí significa o rabo abanando o cachorro.