O Estado de São Paulo, n. 46474, 13/01/2021. Política, p. A10
Militares das Forças rejeitam status de general para PMs
Tânia Monteiro
13/01/2021
Oficiais criticam medida em projeto de lei; Ministério da Defesa já rechaçou decreto no Rio que deu patente a policiais e bombeiros
Os dois projetos de lei que preveem a criação de cargos de general para a Polícia Militar e mandato de dois anos para os comandantes e impõem condições para que governadores possam demiti-los provocaram reação de militares da cúpula das Forças Armadas. "É uma proposta intempestiva, completamente precipitada e sem justificativa real para que esteja sendo apresentada agora, sem uma discussão prévia", disse ao Estadão o general Santos Cruz, demitido da Secretaria de Governo no início da gestão de Jair Bolsonaro e ex-secretário Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça do governo Michel Temer.
O general engrossa o coro dos que defendem uma regra uniforme para as PMS, mas ressalta que as propostas reveladas pelo Estadão "não estão no padrão do que se espera de uma lei orgânica". Segundo o militar, é inadmissível conceder patente de general, algo exclusivo das Forças Armadas, para policiais. "Dentro de estrutura militar ninguém pode ter mandato, não cabe isso", afirmou.
Em agosto de 2019, o Ministério da Defesa rechaçou a tentativa do governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, que numa canetada criou o cargo de general "honorífico" na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros. A pasta considerou o decreto inconstitucional e acionou a Advocacia-geral da União (AGU), o que levou Witzel a recuar e anular o decreto.
Procurado, o Ministério da Defesa manteve a posição divulgada à época sobre a criação destes postos, quando informou que, de acordo com a Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre o assunto. "Com base nessa competência privativa, encontra-se em vigor o Decreto-lei n.º 667/1969, que reorganiza as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, dos Território e do Distrito Federal, cujo artigo 8.º define que o maior posto hierárquico nessas corporações será o de Coronel", diz em nota. Sobre os demais pontos do projeto, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, preferiu não se manifestar, sob a alegação que o texto oficial ainda não está em tramitação no Congresso.
Generais da ativa ouvidos pela reportagem sob condição de anonimato dizem que as PMS são forças auxiliares das Forças Armadas, como está previsto na Constituição, razão pela qual, se os projetos forem aprovados, podem provocar um grave problema de hierarquia. Como exemplo, um general cita que caso seja necessário acionar as Forças Armadas por alguma razão, como a Garantia da Lei e da Ordem, por exemplo, o policial pode não aceitar a ordem do militar por ter uma patente maior ou por se considerar do mesmo nível hierárquico.
Para este militar, esse potencial conflito de autoridade deve preocupar a sociedade em geral, não apenas as Forças Armadas. O temor dos militares é que essa discussão seja tomada pela ideologia e não pela razão e pela necessidade de preservação do Estado brasileiro. Pela lei hoje, um coronel do Exército é sempre mais antigo que um coronel da PM.
"Esse assunto não pode ser discutido de forma superficial", reiterou Santos Cruz. Na avaliação dos oficiais-generais consultados, há uma gama de problemas com as propostas apresentadas. Consideram que a maioria deles pode atingir princípios básicos da estrutura militar – a hierarquia e a disciplina. Sobre a questão da escolha de comandantes da forma como está proposta, seja por lista tríplice, seja com ressalvas para os governadores poderem demiti-los, dizem considerar inadmissível.
Controle. O Exército controlava as polícias, por meio da Inspetoria-geral das Polícias Militares (IGPM), até a Constituição de 1988. Depois disso, os governadores passaram a nomear seus comandantes e a IGPM perdeu seus poderes. Atualmente, o controle do Exército sobre as polícias é formal, versa sobre efetivos e armamento, mas não treinamento, formação de pessoal, ingresso na carreira, e promoções, o que ficou a cargo de cada Estado.
PROJETOS DE LEI ORGÂNICA
• Projeto de Lei da Polícia Militar
Histórico
O projeto que trata das polícias militares é antigo e foi apresentado pelo Executivo em 2001, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Trâmite
O texto atualmente em discussão, porém, é uma proposta de substitutivo preparada pelo deputado Capitão Augusto (PL-SP), ouvindo associações e comandantes. Esse texto ainda não foi apresentado oficialmente.
Relatoria
Deputado Capitão Augusto (PL-SP)
Principais propostas do Projeto de Lei das PMS e Corpo de Bombeiros
- Mandato e destituição
O comandante-geral passa a ter um mandato de dois anos, indicado por meio de uma lista tríplice elaborada por oficiais e levada ao governador. Casos de destituição, por iniciativa do chefe do Executivo estadual, devem ser "justificados e por motivo relevante devidamente comprovado".
- Estrutura
As Polícias Militares passam a ter uma estrutura equivalente à das Forças Armadas, com a criação do quadro de oficiais-generais formado por três patentes, nesta ordem hierárquica: tenente-general, major-general e brigadeiro-general.
- Atribuições
Projeto de lei ainda estabelece como competências das Polícias Militares as funções de credenciar e fiscalizar empresas do ramo de segurança privada – atualmente, essa é uma tarefa da Polícia Federal.
• Projeto de Lei da Polícia Civil
Histórico
A minuta do projeto foi elaborada pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) e pela Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol).
Trâmite
O texto será apresentado como substitutivo a um projeto de lei de 2007, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), que já está apto a votação em plenário.
Relatoria
O relator ainda não foi definido, mas o deputado João Campos (Republicanos-go), pastor evangélico e delegado, acompanhou as discussões e pode assumir a função.
Principais propostas do Projeto de Lei da Polícia Civil
- Mandato e exoneração
Delegado-geral passa a ter um mandato de dois anos e só pode ser exonerado por ato fundamentado do governador, ratificado por maioria absoluta dos deputados estaduais ou distritais.
- Divulgação de dados
Projeto de lei orgânica proíbe a divulgação de técnicas de investigação utilizadas pelas Polícias Civis e de qualquer outro dado ou informação decorrentes de quebras de sigilo.
- Conselho
Prevê ainda a criação do Conselho Nacional de Polícia Civil vinculado à União – o colegiado seria formado por parlamentares, delegados, agentes e sindicalistas, além de representantes do ministro da Justiça e Segurança Pública e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).