Título: Este ano não vai ser igual
Autor: Marcus Quintella Engenheiro
Fonte: Jornal do Brasil, 07/02/2005, Opinião, p. A9

Como estamos no carnaval, vou tomar emprestado o início de uma antiga marchinha para antever que ''este ano não vai ser igual àquele que passou'', no que tange ao número de acidentes nas rodovias brasileiras. Será pior, já que as nossas rodovias acumularam mais um ano de deterioração, desleixo e falta de investimento, agravando ainda mais suas condições de segurança e trafegabilidade.

Desta forma, seres humanos continuam sendo mortos todos os dias em nossas rodovias e o governo federal insiste em não liberar o dinheiro da Cide para a manutenção e restauração da malha rodoviária não concessionada. Dizem as más línguas que a retenção dos recursos da Cide seria para aumentar o superávit primário do país e agradar ao FMI. Seria possível?

Independentemente da Cide, com a recente promulgação da Lei das PPPs não há mais desculpas para que as rodovias deixem de ser recuperadas, ainda mais que as PPPs sempre foram conclamadas como a solução para os graves problemas de infra-estrutura do país, principalmente no setor de transportes. Grosso modo, nas PPPs, o lado privado executa as obras de recuperação das rodovias, investindo e assumindo a responsabilidade pelas fontes de financiamento, e, em contrapartida, o lado público garante o retorno do capital do setor privado, no futuro.

Outrosssim, existe o Project Finance, que é uma forma de engenharia financeira sustentada contratualmente pela certeza do fluxo de caixa do empreendimento. O Project Finance vem sendo largamente utilizado nas concessões de rodovias em nosso país, há muitos anos, na modalidade Modernization / Built, Operate and Transfer - M/BOT, isto é, a iniciativa privada moderniza ou constrói uma rodovia, recebe a concessão para operá-la por 25 anos e depois transfere tudo para o poder concedente, o Estado.

Cabe ressaltar que as concessões privadas em vigência já reduziram em 20% o número de acidentes e vítimas nas estradas pavimentadas brasileiras. Entretanto, essa redução de acidentes é insignificante, pois as rodovias concessionadas representam apenas 5% das rodovias pavimentadas brasileiras. Por outro lado, cerca de 60% da matriz nacional de transporte de cargas pertencem ao modo rodoviário, que corresponde a R$ 750 bilhões em carga transportada anualmente, equivalente a quase a metade do nosso PIB. Estudos comprovam que o mau estado de rodovias aumenta o custo dos fretes em 38% e cada acidente rodoviário com morte custa para a sociedade R$ 375 mil. Os acidentes com feridos e sem vítimas custam, respectivamente, R$ 60 mil e R$ 35 mil. Desta forma, com base nas estatísticas oficiais mais recentes, de 720 acidentes rodoviários por dia, em média, estima-se um custo anual de R$ 21 bilhões. Para efeito comparativo, o custo total dos acidentes equivale a 1,25% do PIB nacional e a 27% do superávit primário de 2004.

Em meu último artigo sobre este tema, alertei que cada dia de atraso para o início das obras de recuperação das estradas corresponderia à perda diária de 65 vidas humanas. Assim, como já se passaram 147 dias, cerca de 9.555 vidas humanas provavelmente morreram nas rodovias brasileiras. Infelizmente, muitas vidas ainda serão perdidas nas estradas, pois essa escalada de mortes somente será amenizada quando os interesses humanísticos superarem os políticos.