O Globo, n. 32019, 06/04/2021, País, p. 5

 

Pressão religiosa mantém cultos abertos no mundo
Camila Zarur
06/04/2021

 

 

 

Assim como no Brasil, o embate entre governos e igrejas por causa das medidas restritivas em meio à pandemia foi parar na Justiça em outras partes do mundo. Líderes e grupos religiosos pressionaram as administrações públicas para que as restrições impostas para conter o contágio do novo coronavírus fossem suspensas ou se tornassem mais flexíveis.

Nos Estados Unidos, a questão foi politizada pelo então presidente Donald Trump, que, em meio à corrida eleitoral para sua reeleição, pressionava para a retomada das atividades mesmo que a pandemia não estivesse controlada. Por diversas vezes, o ex-chefe da Casa Branca deu declarações para forçar a reabertura de igrejas e templos, fazendo assim um aceno à sua base mais religiosa. Também atacava estados democratas — do partido oposto ao seu — que adotavam medidas mais rígidas.

— Alguns governadores consideram as lojas de bebidas alcoólicas e as clínicas de aborto essenciais, mas deixaram de fora igrejas e outras casas de culto —disse Trump, em maio de 2020— Os governadores precisam fazer a coisa certa e permitir que esses lugares essenciais de fé sejam abertos agora.

Endossada pelo discurso do republicano, a Diocese do Brooklyn levou as medidas adotadas pelo governo democrata de Nova York à Suprema Corte do país, pedindo a suspensão do limite de capacidade para cerimônias religiosas. O pedido foi deferido, e uma decisão semelhante foi tomada por um juiz federal para isentar sinagogas ortodoxas nova iorquinas da restrição.

QUARENTENA NA EUROPA

Na Europa, igrejas, mesquitas e sinagogas ficaram fechadas durante a primeira quarentena no continente. Foram reabertas quando as restrições foram suspensas. Porém, quando os casos da Covid-19 voltaram a subir, no segundo semestre do ano passado, grupos religiosos pressionaram os governos para que suas atividades não fossem proibidas novamente.

No Reino Unido, líderes de diversas religiões escreveram em conjunto uma carta direcionada ao premier britânico, Boris Johnson. No texto, afirmaram que era preciso ter um equilíbrio entre as restrições e a atuação das comunidades religiosas, e que os espaços coletivos de adoração também eram essenciais.

Na França, a pressão foi mais incisiva, com fiéis indo às ruas para protestar contra as restrições e líderes religiosos questionando as decisões do governo na Justiça. Em todos os casos, a justificativa era que havia menos risco de se contrair o coronavírus em locais de culto do que em outros espaços públicos — contrariando a fala de especialistas — e que o direito à liberdade religiosa estava sendo suprimido.

Em novembro, o Conselho de Estado, instância máxima da justiça francesa, determinou que o governo de Emmanuel Macron revisasse o limite de 30 pessoas por culto, independentemente do tamanho do espaço em que ele ocorresse. A decisão foi uma resposta a uma ação movida por bispos católicos, alegando que a ordem do governo era muito mais rígida às igrejas do que a estabelecimentos comerciais.

“Os reclamantes estão certos ao dizer que a medida é desproporcional à luz da proteção da saúde pública. Portanto, (a restrição) é uma violação grave e ilegal da liberdade de culto”, decidiu a Corte.

A pressão religiosa foi tão eficaz no continente que mesmo hoje, com a situação mais grave do que no início da pandemia, cultos e celebrações continuam permitidos.