O Globo, n. 32019, 06/04/2021, Economia, p. 15

 

Guedes nega crise sobre Orçamento com Congresso
Manuel Ventura
Fernanda Trisotto
Geralda Doca
06/04/2021

 

 

 

BRASÍLIA — O ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou minimizar nesta segunda-feira a crise criada em torno da aprovação do Orçamento de 2021, considerado pela equipe econômica como "inexequível".

O texto aprovado pelo Congresso cortou despesas obrigatórias para elevar o valor destinado a emendas parlamentares, gerando um impasse entre o governo e o Legislativo.

Para Guedes, a polêmica está ocorrendo porque o governo está, pela "primeira vez", elaborando o Orçamento com sua "própria base parlamentar":

— No meio dessa nova articulação política, pela primeira vez o governo Bolsonaro está elaborando o Orçamento com sua própria base parlamentar. É muito mais um time que nunca jogou junto que está começando a botar em pé o Orçamento que qualquer outra coisa — disse Guedes nesta segunda-feira, durante transmissão ao vivo com agentes do mercado financeiro.

O Orçamento do terceiro ano do governo Jair Bolsonaro foi aprovado com quase quatro meses de atraso. Guedes negou um choque com o Congresso.

— Não é um desentendimento, uma briga, uma guerra. Disseram que havia uma guerra do presidente da Câmara (Arthur Lira, PP-AL) com o ministro da Economia, ou uma guerra contra o Senado. Não é esse o clima — disse o ministro no evento on-line promovido pela XP Investimentos.

Guedes descarta calamidade pública
Guedes negou “má fé” por parte do Congresso, mas não anunciou nenhum acordo. O ministro também se posicionou contra a possibilidade de decretar calamidade pública neste momento, o que, para ele, seria assinar um cheque em branco para gastos públicos.

— Eu tenho certeza que não foi nada de má fé. É natural de um time que começou a jogar junto agora e começou a montar o Orçamento.

No Orçamento deste ano aprovado pelo Legislativo houve um aumento de R$ 26 bilhões (para R$ 48 bilhões) no valor destinado a emendas parlamentares. Para isso, o Congresso cortou nessa proporção a estimativa de gastos como a Previdência, abono salarial e seguro-desemprego, que são obrigatórios. O problema é que não há evidências de que essa projeção se confirme.

Por isso, o governo teria que cortar em outras áreas, como custeio e investimentos, para garantir o pagamento de aposentadorias e pensões sem descumprir as regras das contas públicas.

O dinheiro das emendas extras são destinados para parlamentares aliados do governo apontarem obras e serviços em suas bases eleitorais.

Porém, os técnicos do governo defendem o veto do presidente Jair Bolsonaro aos R$ 26,2 bilhões acrescidos nas emendas parlamentares para recompor os gastos obrigatórios.

Ministro admite dilema e 'problema de coordenação'
Guedes admitiu que houve um problema de “coordenação” na elaboração do Orçamento. E reconheceu o dilema criado entre vetar e criar problemas com a base aliada, e não vetar as emendas e deixar Bolsonaro sujeito a ser processo por descumprir as regras fiscais.

— Se falar “vamos vetar”, para garantir que é juridicamente perfeito, por um lado, pelo lado jurídico, fica tudo blindado. Aí não há qualquer possibilidade de exploração pela oposição para falar em impeachment. Mas é politicamente desconfortável. Por outro lado, se seguir em frente do jeito que está, deixa o governo exposto lá na frente a uma eventual não aprovação de contas pelo TCU (Tribunal de Contas da União) lá no ano que vem, no meio de uma campanha eleitoral — descreveu o ministro.

 

Questionado se seria uma possibilidade manter R$ 16 bilhões para emendas extras e vetar o restante, Guedes disse que sim.

— O que é politicamente mais conveniente pode ser judicialmente inconveniente. E vice-versa — acrescentou.

O ministro reiterou que os acordos políticos têm que caber dentro dos orçamentos públicos.

— São os parlamentares que estão apoiando o governo que estão levando suas emendas para aplicar naquela região — disse o ministro, acrescentando: — É um exercício complexo, com muita gente envolvida. Agora, acima de tudo, tem que valer os conceitos que permitam que isso aconteça sem furar o teto (de gastos).

Durante sua fala, Guedes errou ao dizer que o Orçamento foi enviado em maio do ano passado. Na verdade, a proposta foi encaminhada no dia 31 de agosto, como manda a lei.

Além disso, disse que os parâmetros estavam defasados e justificou que levaria mais tempo para o governo encaminhar uma nova proposta para atualizar esses parâmetros.

 

Reformas administrativa e tributária este ano
Apesar da crise na relação com o Legislativo provocada pelo Orçamento, Guedes aposta que as reformas administrativa e tributária serão aprovadas ainda em 2021,  e que o Congresso trabalha para isso.

— Seria muito bom para o Brasil e muito bom para o governo ter essas reformas aprovadas – declarou.

A avaliação do ministro é de que a administrativa teria aprovação mais rápida. Ela já está mais calibrada, pois não afetará os atuais servidores públicos, mas apenas estabelece padrões para o futuro.

— Eu acho que seria um erro muito grande atrasar essa reforma agora por uma razão muito simples: quanto mais para o futuro ela ficar, mais dura ela vai ser – avaliou Guedes, que citou haver um entendimento do presidente da Câmara, Artur Lira, de que é possível aprovar a proposta em dois ou três meses.

Em relação à reforma tributária, Guedes também defende a aprovação em 2021 e voltou a destacar a proposta do governo, que é em fases e que começa a com a unificação dos impostos federais, abrindo espaço para a simplificação dos demais tributos.

— A nossa reforma não vai criar impostos, novas categorias de impostos, a não ser para simplificar e reduzir os existentes. Nossa reforma é relativamente simples, relativamente eficaz e é uma reforma de coisas que todos vocês esperam – declarou Guedes, que citou a redução de impostos sobre pessoa jurídica, elevar o imposto sobre dividendos e criar um imposto seletivo, que acabaria com alguns tributos sobre produtos industrializados.

O ministro ainda alegou que as reformas que já estão tramitando no Congresso são abrangentes e complexas, e dependem de acordos que ainda não foram feitos com estados e municípios.

 

PIB voltou em V
O ministro ainda afirmou que a economia brasileira já dá sinais de que está recuperada, e que “terá de caminhar de mãos dadas” com a saúde para garantir vacinação em massa e rápida e garantir o retorno seguro ao trabalho e manutenção da atividade econômica.

— O PIB já voltou em V. O que se discute hoje é se a taxa de crescimento vai ser de 3% ou 3,5% ou se com o recrudescimento da pandemia nós seremos abatidos novamente – declarou.

A avaliação de Guedes é de esse baque com o recrudescimento da pandemia será mais curto e provocará uma queda menor que a do ano passado porque a vacinação está avançando.

— Espero que em três ou quatro meses a gente tenha atingido aquele ponto crítico da imunização da rebanho, e que a economia já esteja (retomando) e o retorno seguro ao trabalho já vai acontecendo – disse.

Guedes também comentou sobre problemas fiscais, como o cuidado com o teto de gastos, que terá um ano mais difícil em 2021 por causa do avanço da inflação. Mas, assim como o Banco Central está cuidando da política monetária, a Economia cuida da parte fiscal, trabalhando com déficits manobráveis, controle da dívida pública em relação ao PIB e seguindo o programa de reformas estruturais.

— Vamos trabalhar na (relação) dívida-PIB, com as privatizações, e a desalavancagem dos bancos públicos. O BNDES vai mandar R$ 100 bilhões, a Caixa vai fazer uma ou duas desestatizações e vai mandar os recursos para nós também. Vamos seguir nosso programa de reformas estruturais, mas atentos à pandemia – disse.