O Globo, n. 32021, 08/04/2021, Economia, p. 20

 

Orçamento: Congresso nega acordo e ameaça retaliação
Manoel Ventura
Geralda Doca
Bruno Goés
Paulo Cappelli
João Sorima Neto
08/04/2021

 

 

 

Em um impasse com o Congresso em torno do Orçamento, o governo foi alertado pela cúpula do Legislativo que, se insistir em vetar todas as emendas parlamentares que inflaram o projeto, pode ter de lidar com uma retaliação: a perda de apoio de líderes em votações de interesse do Palácio do Planalto. O recado foi dado ao ministro-chefe da Casa Civil pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PPAL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), em jantar na terça-feira, segundo fontes.

O governo aposta, desde o início do ano, em uma base parlamentar apoiada no bloco de partidos do centrão para avançar em medidas estratégicas, inclusive a agenda econômica. O plano incluiu o apoio a Lira e Pacheco nas eleições para o comando do Congresso, em fevereiro. Entre as pautas prioritárias, estão projetos para privatizar a Eletrobras e os Correios, além das reformas administrativa e tributária.

O encontro foi mais um capítulo da série de desentendimentos entre parlamentares e o Executivo sobre a proposta orçamentária. Para técnicos da equipe econômica, a manobra que subestimou despesas obrigatórios e inflou o valor de emendas descumpre regras fiscais.

O impasse da véspera continuou após um aguardado parecer da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) não apontar medidas a serem feitas. No documento, o órgão pediu informações ao Ministério da Economia e à Casa Civil e ainda colocou em dúvida qual ministro deveria ser relator do processo: Bruno Dantas, responsável por acompanhar gastos do governo no ano passado; ou Aroldo Cedraz, relator das contas de Jair Bolsonaro em 2021.

LIRA: ‘NÃO TEM PROBLEMA’

Os parlamentares deixaram claro na reunião que não aceitam romper o acordo feito com o Planalto para incluir no projeto deste ano R$ 16,5 bilhões em emendas, valor negociado durante a tramitação da proposta que permitiu a volta do auxílio emergencial. Hoje, esse montante está em R$ 29,5 bilhões. O plano dos líderes é ceder em R$ 13 bilhões para fechar acordo.

A equipe econômica defende o veto dessas emendas para garantir a recomposição dos gastos obrigatórios e evitar que o governo seja acusado de crime de responsabilidade. Nessa estratégia, depois do veto, o governo enviaria um projeto para recompor as despesas do Orçamento e verbas de emendas parlamentares. Ontem, em reunião com Ramos e a ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, o ministro da Economia, Paulo Guedes, reforçou a posição.

Uma nova rodada de reuniões está prevista para hoje, segundo líderes do Congresso. Nos bastidores, Lira tem dito a interlocutores que Guedes rasgou o acordo firmado durante a tramitação do texto.

Para Lira, o Orçamento não tem falhas técnicas. Segundo ele, é preciso cumprir acordos e, se houver excesso, corrigi-los. Para ele, não há risco de crime de responsabilidade sobre Bolsonaro em caso de sanção do texto, como afirma a equipe econômica.

— Tecnicamente o Orçamento não tem problema. Absolutamente, nem para o presidente (da República), nem para os órgãos que dele precisam para fazer a política pública se desenvolver no ano de 2021 — disse Lira ontem, antes da sessão na Casa.

De forma reservada, os parlamentares buscam derrubar a tese de crime fiscal caso Bolsonaro sancione o projeto. Eles alegam que isso já teria acontecido, já que teria havido gestão temerária da equipe econômica ao não atualizar parâmetros de inflação e valor do salário mínimo na proposta, o que dificultou as estimativas de gastos com benefícios previdenciários e sociais. Na prática, parlamentares avaliam que, se há erro em sancionar o Orçamento tal como está, não mandar a mensagem modificativa ao Congresso já seria uma irregularidade.

A linha de defesa do Congresso é que o Orçamento não teve erro na sua forma e que há apenas discordância de mérito. A estratégia é destacar que a competência para aprovar o Orçamento é do Legislativo, que se recusa a ser um mero carimbador dos projetos do Executivo, disse uma fonte.

RUÍDO POLÍTICO E INCERTEZA

Enquanto o impasse no Orçamento persiste, o setor produtivo já faz críticas à demora para um acordo. O presidente da Anfavea, associação das montadoras, Luiz Carlos Moraes, mostrou preocupação com a crise do Orçamento, ao divulgar alta de 5,5% na produção de automóveis em março:

— Tem muita gente pensando na eleição de 2022 em Brasília, e isso traz ruído político e incertezas.

Para o executivo, isso afeta a atração de investimento:

—Somos os maiores embaixadores dos investimentos junto às matrizes. Mas fica difícil explicar o que aconteceu com uma coisa básica que é o Orçamento.