Título: O preço de estar no poder
Autor: Sérgio Pardellas
Fonte: Jornal do Brasil, 01/02/2005, País, p. A3

As mudanças que para muitos vêm descaracterizando o PT são vistas por cientistas políticos de diversas escolas como uma fatalidade: o preço de ser governo. Marcos Figueiredo, estudioso do Iuperj, compara o fenômeno com o ocorrido na Europa na primeira metade do século passado, quando partidos socialistas assumiram governos e fizeram do ajuste da economia sua principal política.

- É o descontentamento da esquerda intelectual com os rumos do governo. Isso é uma repetição da história das esquerdas no mundo. Na Europa, também houve insatisfação e dissidências, porque ser governo obriga a refrear a velocidade das mudanças - analisa.

Para Figueiredo, o PT se fragmentou desde que o presidente Luiz Inácio Lula tomou posse. Sinais disso, como concorda o também cientista político da PUC-RJ Ricardo Ismael, foram as saídas dos deputados federais Luciana Genro, Babá e João Fontes e da senadora Heloísa Helena da legenda.

- Alguns intelectuais ligados ao PT, no decorrer dos dois anos de governo, não se conformaram, queriam um governo mais à esquerda. A saída do professor Carlos Lessa (ex-presidente do BNDES) fechou um ciclo. Ele ainda significava uma posição ligada à universidade, um espaço para influenciar a política econômica - avalia Ismael.

Na opinião do especialista da PUC-RJ, o que restou do partido é um PT ''pragmático'' que, em 2006, terá uma base de apoio diferente, com alianças mais ao centro do que na campanha anterior. Mas, para Marcos Figueiredo, não se trata de uma administração centrista:

- Lula não é um novo personagem, mas está exercendo um novo papel, que o obriga a se enquadrar. Não é um governo revolucionário. É um governo de esquerda num regime democrático - pondera.

Na opinião dos dois estudiosos, o descontentamento de alguns setores não prejudica o exercício do governo.

- O PT não perdeu a identidade com setores como a CUT, o MST, apesar de certa decepção. Lula, pelo carisma pessoal, consegue certa tolerância. Mesmo quando o governo vai mal, a popularidade do presidente não tem queda tão grande. Ele tem deixado claro que sua face ligada ao combate à desigualdade ficará para um segundo mandato. Antes, quer conquistar as forças do mercado - diz Ismael.

O racha que envolve a disputa pela presidência da Câmara, acredita, não significa oposição do candidato avulso Virgílio Guimarães (PT-MG) à política do governo. Para Marcos Figueiredo, apesar de representar, sim, um confronto dentro do partido, o cabo de guerra entre os petistas mineiro e paulista (Luiz Eduardo Greenhalgh) é compreendido como um confronto entre Minas e São Paulo:

- É conseqüência da concentração excessiva do poder da militância paulista no governo.

Do outro lado da desfiliação em massa de petistas, os dois estudiosos vêem a intenção dos ex-petistas de criar fato político no encerramento do fórum social mundial com vistas a 2006.