O Estado de São Paulo, n. 46481, 20/01/2021. Metrópole, p. A20
Mortalidade sobe com polarização, dizem estudos
Roberta Jansen
20/01/2021
Levantamento europeu e outro brasileiro constatam número maior de óbitos por covid-19 em regiões com ambiente político polarizado
A polarização política aumenta a mortalidade pela covid19. A conclusão está em um novo estudo científico que mostra, pela primeira vez, uma correlação direta entre o número de mortes pelo novo coronavírus e o recrudescimento do populismo e da intolerância. O trabalho foi feito somente em países da Europa. Mas, segundo especialistas brasileiros, remete, em seus aspectos centrais, ao que ocorre no Brasil.
Aqui, mais de 210 mil pessoas já morreram vítimas da doença. O presidente Jair Bolsonaro, porém, insiste em defender tratamentos sem comprovação científica, além de ter passado meses criticando as vacinas e o isolamento social.
"Uma maior polarização social e política pode ter acabado por custar vidas durante a primeira onda de covid na Europa", conclui o estudo, que avaliou a correlação entre as mortes e a polarização política em 153 regiões de 19 países do continente europeu. E acrescenta: "Observamos que maiores níveis de polarização indicam um número de mortes significativamente maior. Por exemplo, a diferença no excesso de mortes entre duas regiões, uma sem polarização das massas (2,7%) e outra com níveis máximos (14,4%). Nesta última, o índice "é mais de cinco vezes maior".
O trabalho é assinado por Víctor Lapuente, da Universidade de Gotemburgo (Suécia), e Nicholas Charron e Andrés Rodríguez-pose, da London School of Economics. Está em processo de publicação no esquema pré-print (sem revisão de outros especialistas), na revista da Universidade de Gotemburgo.
Os autores propõem três mecanismos que explicariam esse fenômeno. O primeiro é que é mais difícil nas sociedades polarizadas a construção de consenso político sobre as medidas sanitárias a serem adotadas. Outro é que as prioridades são definidas em função das exigências dos grupos de pressão (empresários, por exemplo), em detrimento da saúde pública. O terceiro é que, com a polarização, as políticas se tornam mais populistas e menos baseadas em critérios de especialistas.
Os três mecanismos propostos no estudo são facilmente identificáveis no Brasil, dizem especialistas ouvidos pelo Estadão. Alguns exemplos são a defesa, por parte do presidente da República e do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, do que eles chamam de tratamento precoce, que a ciência já mostrou não ter eficácia – e que a própria Anvisa descartou no domingo.
Exemplo. Outro fator de peso é o exemplo dado pelo presidente Jair Bolsonaro ao insistir em não usar máscara e ao provocar aglomerações. E, por fim, suas críticas infundadas às vacinas em desenvolvimento e seu embate com o governador paulista João Doria (PSDB).
Um levantamento, de junho, constata que o discurso negacionista de Bolsonaro contribuiu para a queda das taxas de isolamento social e o consequente aumento do número de mortes pela covid-19. Realizado por pesquisadores da Universidade Federal do ABC, da USP e da Fundação Getúlio Vargas, o trabalho mostra que, nas ocasiões em que o presidente minimizou a pandemia, as taxas de isolamento social caíram no País. O número de mortes, no entanto, foi proporcionalmente maior entre os eleitores de Bolsonaro. "Temos evidências muito fortes de que o governo Bolsonaro aumenta a média de mortes por covid-19 no País", afirmou o principal autor do estudo, Ivan Fernandes, cientista político e professor da UFABC.
"Ideologia, isolamento e morte: uma análise dos efeitos do bolsonarismo na pandemia de covid-19" está publicado em modelo pré-print (ainda sem revisão de pares) na plataforma SRRN. O levantamento foi feito com base no mapa eleitoral do primeiro turno das eleições de 2018. Constata que, onde Bolsonaro teve mais votos, o isolamento social é menor, e o número de óbitos, maior. "Não dá para dizer quantas pessoas a mais morreram por conta das falas do presidente", explicou Fernandes. "Mas estimamos que, em média, os municípios que votaram maciçamente em Bolsonaro tiveram um número de mortes até 50% maior."
Fator Bolsonaro
"Estimamos que, em média, os municípios que votaram maciçamente em Bolsonaro tiveram um número de mortes até 50% maior"
Ivan Fernandes
PROFESSOR DA UFABC E PRINCIPAL AUTOR DO ESTUDO BRASILEIRO