O Estado de São Paulo, n. 46492, 31/01/2021. Política, p. A8

 

Bolsonaro tenta coroar aliança com o centrão

Felipe Frazão

Vinícius Valfré

31/01/2021

 

 

DIDA SAMPAIO/ESTADÃO-30/10/2019
Líder. Lira e deputados discutem, em 2019, proposta sobre porte e posse de armas de fogo

Deputados e senadores vão eleger amanhã quem comandará a Câmara e o Senado pelos próximos dois anos, numa disputa que vai muito além dos interesses do Congresso. O resultado da eleição pode significar um cheque em branco nas mãos do presidente Jair Bolsonaro ao entregar a dois aliados dele a chefia do Legislativo. A interferência de Bolsonaro na campanha indicou que as práticas da velha política, com distribuição de cargos e verbas, sepultaram de vez a expectativa de renovação manifestada nas urnas, em 2018.

Ameaçado no cargo por 59 pedidos ativos de impeachment, o presidente investiu pessoalmente na costura de acordos e na cooptação de votos para selar a eleição do deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) e do senador Rodrigo Pacheco (DEMMG). Para Bolsonaro, a eleição de Lira e Pacheco nas duas Casas do Congresso significa a blindagem do seu mandato.

Os dois indicaram, por exemplo, que são contrários a instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os erros do governo na condução da pandemia da covid-19 e também à abertura de processo de afastamento do presidente. "Não vou comprar briga nem procurar acotovelamento", disse Lira. "Não podemos banalizar o instituto do impeachment", afirmou Pacheco.

A vitória dos dois candidatos, se confirmada, também coroa o acordo de Bolsonaro com o Centrão. O grupo de centro-direita, sem apegos ideológicos e notabilizado pelo fisiologismo, ressurgiu em 2015 sob a liderança de Eduardo Cunha (MDB-RJ), que deixou a presidência da Câmara e acabou sendo preso.

Bolsonaro se aliou ao Centrão após embates com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) e a partir do avanço de investigações contra o seu núcleo familiar, principalmente sobre um esquema de "rachadinhas" no gabinete do atual senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) quando era deputado estadual no Rio.

Remanescente da "tropa de choque" de Cunha e réu na Lava Jato, Lira manifestava a intenção de presidir a Câmara desde 2018, mas nunca conseguiu se consolidar como sucessor do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que lançou a candidatura do deputado Baleia Rossi (MDB-SP).

Com sua ambição frustrada, Lira deixou o grupo de Maia e atualmente é o líder do Centrão, encabeçando uma bancada suprapartidária que reúne aproximadamente 200 dos 513 deputados. Trata-se de um núcleo acostumado a explorar oportunidades num Executivo de base congressual frágil.

O Estadão revelou que o governo liberou R$ 3 bilhões em recursos "extras" do Ministério do Desenvolvimento Regional, para 250 deputados e 35 senadores destinarem a obras em seus redutos eleitorais. As tratativas foram conduzidas no gabinete do ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, que nega o balcão de negócios. Dos contemplados, grande parte declarou apoio aos candidatos do governo no Congresso.

Principal adversário de Lira, Baleia conseguiu o apoio de partidos que vão da centro-direita à esquerda, na maior frente ampla construída desde a redemocratização. O grupo é visto pelo Planalto como o primeiro passo de um movimento articulado para desgastar ainda mais Bolsonaro. Na prática, a aliança antibolsonarista pode representar um ensaio para a disputa presidencial de 2022.

Reforma. Após as eleições no Congresso, Bolsonaro vai promover uma reforma ministerial. Na sexta-feira, ele condicionou a recriação dos ministérios à vitória de seus aliados na Câmara e no Senado, mas recuou ontem

da declaração. Contemplados até agora com cargos de segundo e terceiro escalões, os líderes do Centrão querem deixar a periferia do poder e mostram apetite por ministérios com orçamento bilionário.

A reta final da campanha tem sido marcada por defecções no arco de aliados dos candidatos adversários do Planalto. Baleia perdeu apoiadores atraídos pelas benesses oferecidas pelo governo e Simone Tebet (MDBMS) também se viu abandonada na última hora por seu próprio partido, que preferiu rifar a candidatura dela ao comando do Senado e apoiar Rodrigo Pacheco, o nome avalizado pelo Planalto, em troca de cargos.

Na Câmara, mesmo com as traições a Baleia, há chance de segundo turno. Ele formou uma frente que reuniu pela primeira vez partidos rompidos desde o impeachment de Dilma Rousseff. Mas o grupo começou a ruir. Baleia perdeu votos no DEM, PDT, PSDB e PSL.

A saída de Maia deve abrir espaço à pauta conservadora de Bolsonaro. Por outro lado, a agenda econômica deve esbarrar no desinteresse do presidente e da nova cúpula parlamentar. Uma reforma administrativa, por exemplo, se choca com a prometida criação de ministérios.

O presidente quer facilitar acesso a armas, aprovar o excludente de ilicitude policiais. E seus novos aliados pretendem liberar os jogos de azar. Se vencer, Lira, a exemplo de Bolsonaro, já avisou que não dará entrevistas diárias e que irá desalojar o comitê de imprensa de perto do plenário.

Impeachmet

59

pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro estão ativos na Câmara dos Deputados.