O Estado de São Paulo, n. 46492, 31/01/2021. Metrópole, p. A15

 

Falhas de planejamento e logística criam diferentes ritmos de vacinação pelo país

Gonçalo Junior

Fabiana â€‹Cambricoli

31/01/2021

 

 

 Recorte capturado

Até agora, apenas 22% das doses distribuídas pelo Ministério da Saúde aos Estados foram aplicadas. Enquanto parte dos gestores reclama da falta do imunizantes, outros afirmam que a escassez de informações sobre o tamanho dos lotes prejudica a campanha

Passadas quase duas semanas do início da vacinação contra a covid-19 no Brasil, somente 22% das doses distribuídas pelo Ministério da Saúde aos Estados foram aplicadas, e os números revelam disparidade nos ritmos de vacinação pelo País. Enquanto Alagoas e Paraná já usaram 34% das doses que receberam, o Amazonas aplicou apenas 8,8% dos imunizantes entregues pelo governo federal.

Com atraso, o Brasil iniciou a campanha em 18 de janeiro, depois de mais de 50 países, e acumula 2 milhões de vacinados (0,95% da população), embora já tenha disponível 8,9 milhões de doses. Entre as nações que começaram em dezembro, as taxas são bem maiores. Israel imunizou 4,3 milhões (50,2%), Reino Unido, 7,9 milhões (11,7%) e os EUA, 24 milhões (7,45%).

Mesmo que metade das 6,9 milhões de doses da Coronavac esteja reservada para a segunda aplicação, o País tem disponível para uso imediato mais de 5 milhões de doses, mas não aplicou nem metade disso. Segundo especialistas, a campanha precisa ser acelerada. Entre os gargalos estão a escassez de doses, o que dificulta o planejamento das cidades, e problemas logísticos.

Nesta primeira fase, o plano prevê vacinar trabalhadores da saúde, idosos em instituições de longa permanência e indígenas. Para Isabella Ballalai, vicepresidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, a cobertura atual é baixa, mesmo se considerados só grupos prioritários.

Um dos desafios agora é imunizar 410 mil indígenas e 20 mil profissionais de saúde que atendem esses grupos. É difícil chegar até eles – cerca de 6 mil aldeias, 100,6 mil pessoas no Amazonas. Doze áreas precisaram do apoio logístico do Ministério da Defesa. “É preciso agilidade para chegar a locais de difícil acesso”, diz o almirante Carlos Chagas, porta-voz da pasta. Em alguns lugares, só barco e avião, como Tabatinga, a 1,1 mil quilômetros de Manaus. De 10 mil doses, 8,9 mil são para indígenas ticuna e 1,1 mil para profissionais de saúde locais. Ali, a vacinação pode levar até dez dias.

Em Pau Brasil (BA), 4 mil dos 11 mil habitantes são indígenas aldeados. A cidade recebeu 1.731 doses para esse grupos e 132 para os demais. A entrega é feita conforme os agentes de saúde indígenas pedem doses. Mas, segundo a secretária de Saúde, Sirlândia Xavier, a demanda é baixa. Até sexta, o município só bateu 18% da meta.

Em São Miguel das Missões (RS), só foram aplicadas 30 das 113 doses para os tekoa koenjus. “Os profissionais de saúde estão com dificuldade para que os índios aceitem a vacina. Aos poucos, estão aderindo”, afirma o secretário municipal de Saúde, Fabiano Morais.

Em Mato Grosso do Sul, com 48 mil indígenas, a vacinação só ganhou velocidade nos últimos dias. Havia um impasse com os polos indígenas, que queriam ficar com as vacinas – uma reunião na terça definiu que as cidades serão responsáveis por armazenar e distribuir doses. O governo estadual prevê vacinar os indígenas em até 30 dias.

Barreiras. “O que trava a vacinação no Brasil é a inércia do governo federal, que poderia ter comprado mais doses”, diz o médico Gonzalo Vecina Neto, colunista do Estadão. Isabella Ballalai tem opinião semelhante. “Percebemos que a campanha está fragmentada pela questão da oferta de vacinas.”

Coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) de 2011 a 2019, a epidemiologista Carla Domingues destaca a tradição brasileira em campanhas de larga escala. “É um programa reconhecido no mundo. Assim que forem garantidas mais doses, essa estrutura consolidada pode acelerar o ritmo. Mas é fundamental o cadastramento prévio de quem será imunizado”, alerta. “Temos de aproveitar essa fase, quando ainda há tempo, para cadastrar os próximos grupos.”

Secretários dizem que o número limitado de doses e a falta de clareza sobre o tamanho das remessas dificultam. Em São Miguel das Missões, a informação sobre a remessa chega um dia antes, segundo o governo local. Em Itabuna (BA), a secretária de Saúde, Lívia Aguiar, afirma que o número de doses só é conhecido na hora da entrega. A cidade recebeu 4.017 vacinas em dois lotes diferentes. “Esperávamos quantitativo bem maior. Tivemos de refazer todos os planos.” A cidade só vacinou 30% dos profissionais de saúde até agora.

Algumas cidades demoraram para buscar o imunizante. Nova Alvorada (RS) foi a última a recolher sua cota (cinco doses) na Coordenadoria Regional de Saúde em Passo Fundo, no dia 22. O governo local diz que já havia agendado a retirada de outros remédios na regional e, por isso, optou por uma viagem só. A distância é de cerca de 60 km.

Para dificultar o acompanhamento, os números de vacinados também demoram. Natal começou a registrar os dados em formulários impressos, só depois digitados. Até quinta, o ministério apontava que a Paraíba havia imunizado 10,2% dos grupos prioritários, mas o Estado fala em “atraso no registro” por “inconsistência” no sistema. Manaus chegou a parar a vacinação por dois dias após suspeitas de desvios e questionamentos da Justiça sobre a lista de vacinados. Procurado, o ministério não comentou.

Rapidez. Por outro lado, São Gonçalo do Amarante (RN) conseguiu driblar as dificuldades e já aplicou todas as 563 doses recebidas no primeiro lote. Enquanto a maioria dos municípios centraliza a vacinação em hospital ou posto de referência, a cidade criou um grupo itinerante de imunização. Duas equipes visitaram 36 estabelecimentos, entre unidades de saúde, hospitais e instituições de longa permanência. Em quatro dias, vacinaram todo mundo. “Não trouxemos o trabalhador para ser vacinado. Fomos até ele”, diz Jalmir Simões, secretário municipal de Saúde.

Em Lauro de Freitas (BA), a prefeita Moema Gramacho (PT) diz que o ritmo veloz serve para pressionar o governo federal. Em pouco mais de uma semana, as 1.640 doses recebidas foram aplicadas. “Temos nos empenhado para dar agilidade na vacinação e transmitir informações em tempo real ao ministério, mostrar que há necessidade grande de mais vacinas.