O Globo, n. 32033, 20/04/2021, País, p. 4

 

Contra-ataque
Aguirre Talento
André de Souza
20/04/2021

 

 

 

Às vésperas do início da CPI da Covid, a Procuradoria-Geral da República (PGR) voltou a cobrar governadores sobre o uso das verbas repassadas pelo governo federal para o combate à pandemia — exatamente a parte que aliados do governo Bolsonaro conseguiram incluir no foco da comissão. Em despacho assinado pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, aliada do procurador-geral, Augusto Aras, a PGR enviou aos chefes do Executivo estadual questionamentos sobre a aplicação de recursos na construção dos hospitais de campanha, que contam com investimentos de estados e da União.

Em reação, governadores afirmam que a medida é uma forma de tentar influenciar a CPI e intimidar adversários do presidente Jair Bolsonaro, que desde o início da pandemia centra seus discursos contra os governos locais, seja nas críticas a medidas de isolamento social, ou levantando suspeitas sobre má versação das verbas recebidas. Em seu ofício, Lindôra determina que as respostas sejam assinadas pelos próprios governadores, porque “tal responsabilidade não pode ser atribuída a outros órgãos”.

O prazo concedido para as respostas foi de cinco dias. Como definiu o Senado, a CPI não pode ter chefes do Executivo estadual ou municipal entre seus alvos.

A integrante da PGR questiona, no documento, a desativação dos hospitais de campanha — o texto, inclusive, contém uma ironia, ao perguntar aos governadores o motivo de eles terem acreditado que a pandemia havia acabado.

“Esclareça-se ainda porque os Excelentíssimos (as) senhores(as) Governadores(as) entenderam que ocorreu o fim da pandemia de Covid-19 entre setembro e outubro de 2020 com a consequente desativação dos referidos hospitais bem como o prejuízo causado ao erário, não só em relação às vidas com a falta atual de leitos como o decorrente da verba mal utilizada”, escreveu.

No ofício, Lindôra pediu ainda “informações completas” sobre os recursos estaduais e federais empregados nas estruturas temporárias para receber pacientes. Ela também requisitou a lista de dos insumos e equipamentos dos hospitais de campanha com a comprovação da destinação de bens e valores. Além disso, solicitou dados sobre o uso das verbas federais destinadas ao combate à pandemia, perguntando, por exemplo, se algum valor foi “realocado para outros fins”.

Na semana passada, o próprio Aras pediu esclarecimentos aos governadores a respeito da aplicação das vacinas, questionandoos sobre a diferença entre a quantidade de imunizantes repassada pelo governo federal e o volume aplicado. O procurador-geral ignorou, por exemplo, que o próprio Ministério da Saúde recomendou que uma quantia fosse guardada para aplicação da segunda dose. Aras não fez nenhuma fiscalização a respeito da demora do governo federal em fechar contratos de compras dos imunizantes.

Os questionamentos da PGR irritaram os governadores, que conversaram ontem sobre a possibilidade de uma manifestação conjunta para rebater os pontos levantados. Na avaliação de um deles, Lindôra age politicamente, desviando o foco do governo federal.

O governador do Piauí, Wellington Dias (PT), coordenador da área de vacinas do Fórum Nacional de Governadores, retrucou a manifestação da Procuradoria-Geral da República.

—A grande pergunta é por que fechamos hospitais de campanha, estados e municípios. Porque não tinha pacientes. Graças a Deus, num dado num momento, fizemos dois movimentos em meio a uma pandemia: dobrar ou triplicar a rede permanente pública de hospitais, ou em parcerias com o setor privado, e já não precisávamos mais de hospitais provisórios, como eram hospitais de campanha. Se não tinha pacientes, qual era o sentido de ficar três, quatro, cinco, seis meses pagando por cada leito de hospital de campanha ? — disse o governador, em vídeo divulgado pela assessoria de imprensa.

FALTA DE PROFISSIONAIS

Ele acrescentou que o maior problema atual, que gerou o colapso na segunda onda de Covid-19 em vários estados, foi de falta de profissionais para atendimento, não de espaço físico ou equipamentos.

Em nota, o governador do Piauí também afirmou que boa parte do dinheiro aplicado nos hospitais de campanha veio dos cofres estaduais e que foram prestadas contas com toda a transparência aos órgãos de controle. E apontou a responsabilidade do governo federal.

“O colapso se deu pela falta de profissionais em praticamente todos os estados brasileiros, levado pela velocidade de transmissibilidade das novas variantes e pela ausência da coordenação central, do governo federal, que foi avisado e não ajudou na contenção”.