O Globo, n. 32033, 20/04/2021, País, p. 4

 

Governo inflou repasses a estados e municípios
Bernardo Mello
20/04/2021

 

 

 

Embora o governo federal tenha repassado R$ 113,4 bilhões em 2020 para auxiliar estados e municípios no combate à Cov id -19, averba específica para a área de Saúde foi de R$ 42,1 bilhões, pouco mais de um terço do total. O presidente Jair Bolsonaro e aliados sugeriram recentemente, ignorando a legislação do próprio Executivo, que governadores teriam aplicado incorretamente os recursos enviados. Este será um dos enfoques da CPI da Covid no Senado, proposta para investigar omissões do governo federal, mas ampliada para abarcar também a destinação dos repasses federais a estados e municípios — cujos valores foram divulgados de forma inflada pelo presidente.

Em março, Bolsonaro afirmou nas redes sociais que os repasses aos estados teriam ultrapassado R$ 840 bilhões. O valor, no entanto, incluía transferências constitucionais obrigatórias, sem relação coma pandemia, e verbas que não passam pelas finanças estaduais, como o auxílio emergencial, pago diretamente pela União aos beneficiários.

Em ataques a governadores, Bolsonaro também alegou que os recursos vêm sendo usados fora da área de Saúde, por exemplo, para pagamento de folha salarial. A prática, contudo, não é vedada pela Lei Complementar 173, sancionada pelo presidente em maio de 2020, que destinou R$ 60 bilhões a estados e municípios. Deste valor, R$ 10 bilhões eram carimbados na Saúde, inclusive para despesas com pessoal. Os R$ 50 bilhões restantes, pouco mais da metade reservada aos estados, tinham o objetivo de “enfrentamento à Covid-19 e mitigação de seus efeitos financeiros”.

Além disso, o governo federal destinou outros R$ 15 bilhões como “compensação da variação nominal negativa dos recursos repassados pelo fundo de participação”. Foi uma espécie de “reequilíbrio” extraordinário desses fundos, que recebem verba obrigatória da União para o caixa de estados e municípios.

No Rio, o governador Cláudio Castro (PSC), aliado de Bolsonaro, usou averba com destinação livre par apagar salários de policiais civis e militares—segundo a Secretaria de Fazenda, o estado destinou R$ 1,6 bilhão para esta finalidade.

O governo de São Paulo, chefiado por João Doria (PSDB), também informou ter usado averba livre, entre outras destinações, para quitar salários de policiais, professores e pagar fornecedores. O governo acrescentou que “a destinação, ao contrário do que pregam teses bolsonaristas, não pode ser encarada como ajuda do governo federal”, mas como parte do pacto federativo de distribuição de recursos.

O valor de R$ 113,4 bilhões da ajuda federal foi levantado pelo GLOBO no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP), que reúne todos os repasses da União justificados pela pandemia. As verbas têm origem principalmente em quatro ações orçamentárias: o auxílio a estados e municípios previsto pela Lei Complementar 173; a Medida Provisória 938, de compensação a perdas na pandemia; portarias do Ministério da Saúde; e a Lei Aldir Blanc, de socorro ao setor cultural.