O Globo, n. 32033, 20/04/2021, País, p. 10

 

Com pressão da CPI, presidente retoma discurso contra a esquerda
Daniel Gullino
Jussara Soares
20/04/2021

 

 

 

Pressionado pela abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, o presidente Jair Bolsonaro retomou a narrativa contra a esquerda, que o elegeu em 2018 e manteve seus apoiadores mobilizados nos primeiros anos de governo. Ontem, ele criticou diretamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu possível adversário nas eleições de 2022, dizendo que quem votar nele “merece sofrer”. Antes, Bolsonaro já havia feito críticas a pessoas e organizações emblemáticas da esquerda, do governo venezuelano ao Movimento dos Sem Terra (MST).

Em conversa com apoiadores ontem no Palácio da Alvorada, o presidente comentou o julgamento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por oito votos a três, anular as condenações impostas a Lula no âmbito da Operação Lava-Jato:

— Foi 8 a 3 o placar lá. Você interprete como quiser. Agora, pelo amor de Deus, o povo que por ventura vote em um cara desses, é um povo que merece sofrer.

INFLUÊNCIA DE CARLOS

A volta à retórica mais virulenta contra a esquerda, que agrada a militância, coincide com a mudança na comunicação do governo: o almirante Flávio Rocha foi substituído na Secretaria de Comunicação Especial (Secom) por André de Sousa Costa, coronel da Polícia Militar, que antes ocupava o cargo de assessor especial da Presidência. De acordo com auxiliares, o órgão passará a ser mais vinculado ao gabinete presidencial e, portanto, com maior influência do filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). A indicação foi do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Jorge Oliveira, ex-chefe da Secretaria Geral da Presidência.

Na avaliação de integrantes do Planalto, Costa tem experiência limitada em Comunicação, mas conta com o aval de Carlos, que defende que, diante da pressão causada pela CPI, seja adotada uma postura mais agressiva e prioriza a comunicação exclusivamente pelas redes sociais, sem contatos com a imprensa.

No sábado retrasado, Bolosnaro visitou uma comunidade de venezuelanos que moram em Brasília e fez um discurso contra os governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, transmitido em sua conta no Facebook. Com um tom dramático, o presidente chegou a segurar um cachorro no colo ao dizer que venezuelanos precisam comer cães por passarem fome.

— O regime lá foi um regime que aos poucos foi tirando a liberdade de vocês. Todo mundo sabe que o Lula fez propaganda para Hugo Chávez lá na Venezuela, Dilma também fez. O Lula sempre defendeu que o regime na Venezuela é muito bom — disse o presidente.

Na segunda-feira seguinte, Bolsonaro publicou em suas redes sociais um vídeo sobre sua trajetória, com imagens da campanha eleitoral, feito por um apoiador. O texto que acompanhava a publicação dizia que se Ciro Gomes (PDT) ou Fernando Haddad (PT), seus adversários em 2018, tivessem sido eleitos não haveria mais liberdade no Brasil. O presidente também escreve que hoje há uma “amostra” de “comunismo” no país, em referência a medidas restritivas tomadas por estados e municípios para conter a pandemia.

Depois, o discurso continuou com tons semelhantes. Na quarta, durante conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada, Bolsonaro criticou o MST e fez referência a um texto escrito pelo ex-ministro petista José Dirceu. Na quinta, durante evento em São Paulo, citou o soldado Mário Kosel Filho, morto em um atentado feito por um grupo armado de esquerda, durante a ditadura.

Também na quinta, na transmissão ao vivo que faz semanalmente, comparou o seu governo a uma possível administração de Lula, pedindo para os eleitores compararem os ministros dos dois:

—Se o Lula voltar, pelo voto direto, pelo voto auditável, tudo bem. Agora veja qual vai ser o futuro do Brasil com o tipo de gente que ele vai trazer para dentro da Presidência.