O Globo, n. 32034, 21/04/2021, País, p. 4

 

Sob alta pressão
Leandro Prazeres
Jussara Soares
21/04/2021

 

 

 

Com o Brasil sob pressão pela cobrança de resultados concretos na área ambiental às vésperas da Cúpula de Líderes sobre o Clima — que começa amanhã convocada pelo presidente do Estados Unidos, Joe Biden —, cerca de 400 servidores do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) divulgaram uma carta ontem afirmando que um novo rito para aplicação de multas imposto pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, “inviabiliza” as ações de combate ao desmatamento na Amazônia. O ministro afirmou ao GLOBO que buscou apenas “agilizar” processo seque estudará“ajustes” nas normas.

Os servidores afirmam na carta, endereçada ao presidente do Ibama, EduardoBim, que estão com suas atividades de fiscalização totalmente paradas. Publicada no Diário Oficial da União (DOU) de 14 de abril, a alteração nas regras para aplicação de multas ambientais determina, na prática, que as sanções só sejam autorizadas depois de passarem pela análise de um supervisor. Os fiscais afirmam que essa mudança cr iauma figura semelhante ade um“censor” e que isso prejudica as ações de combate a crimes ambientais.

A paralisação na fiscalização acontece em momento de pressão sobre o governo brasileiro no tema, com a cobrança de que sejam emitidos sinais de comprometimento com o combate ao desmatamento na Amazônia e ao cumprimento de suas metas para diminuir as emissões de gases do efeito estufa. Nesta semana, dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) indicam que o desmatamento na região aumentou 216% em março passado na comparação ao mesmo período de 2020.

MANIFESTAÇÕES NAS REDES

A cúpula convocada porBiden ocorre emmeio acríticas por parte de organizações da sociedade civil, incluindo ONGs ambientalistas e coletivos de artistas, que convocaram manifestações nas redes sociais em defesa da saída do ministro. Sobre Salles, recaem ainda movimentações institucionais: semana passada, ele foi alvo de notícia-crime da Polícia Federal do Amazonas e passou a ser investiga dono Supremo Tribunal Federal por supostamente atrapalhar investigação sobre madeireiras ilegais. Já empresários pediram que o governo apresente metas ambiciosas na cúpula do clima, mas, sem respostas, cogitam acordos paralelos para preservar os negócios diante da possibilidade de isolamento do país.

Ontem, foi exonerado o chefe da unidade técnica do órgão no Porto de Paranaguá (PR). Antonio Fabricio Vieira, servidor do órgão há 26 anos, assinou um relatório em fevereiro em que informa a realização da fiscalização de “100% das cargas a serem exportadas pelo porto de Paranaguá, em um total de 35.822 m³ de madeira nativa” ao longo do último ano. O total da carga movimentou R$ 301,2 milhões. Segundo o jornal “Folha de S. Paulo”, a fiscalização teria gerado 30 autos de infração por falta de documentação.

Na carta de ontem, servidores do Ibama dizem não haver condições de fiscais exercerem as suas funções.

“Registramos que, no momento, os meios necessários para o estrito cumprimento do nosso trabalho não estão disponíveis e queto doo processo de fiscalização e apuração de infrações ambientais encontra-se paralisado”.

SALLES AVALIARÁ “AJUSTES”

As críticas são direcionadas também à atuação do governo federal como um todo, do qual cobram “o fortalecimento das instituições e das normas ambientais, e não o contrário, como vem sendo feito”.

Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, Carlos Bocuhy avalia que a permanência de Salles no comando do Ministério é “politicamente insustentável”:

—Sallesv em minando o Sistema Nacional de Meio Ambiente, e impõe uma enorme insegurança jurídica ao dizer que seu objetivo é desburocratizar e modernizar os trabalhos do ministério. PF e Tribunal de Contas da União pedem seu afastamento. Isso demonstra como ele está do lado errado da História.

O ministro Ricardo Salles disse que buscou “agilizar” processos coma mudança de regras na aplicação de multas ambientais. Afirmou que vai analisar as ponderações dos servidores paraver a necessidade de“ajustes” no texto que está sendo contestado.

— Estabelecemos prazos curtos justamente para agilizar o andamento dos processos, mas estamos analisando a manifestação e se houver mesmo necessidade de ajuste, o faremos —disse o ministro.

Salles negou ainda que a divulgação da carta na véspera da Cúpula ameace a participação de Bolsonaro no encontro. Em seu discurso, o presidente vai prometer aumentar o investimento em fiscalização.