O Globo, n. 32035, 22/04/2021, País, p. 6

 

Atuação de Salles por madeireiros foi ‘muito explícita’, diz delegado 
Leandro Prazeres
22/04/2021

 

 

 

O delegado Alexandre Saraiva, que viveu na semana passada um dos momentos mais tumultuados dos seus 18 anos de carreira na Polícia Federal (PF) — 11 deles dedicados à Amazônia — afirmou em entrevista ao GLOBO que apresentou uma notícia-crime contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por entender que ele estaria atuando “de uma forma muito explícita” a favor de madeireiros ilegais. A conduta do chefe da pasta, segundo Saraiva, “patrocinava a ação dos criminosos”.

Saraiva foi afastado e substituído no cargo de superintendente da PF no Amazonas um dia após pedir que o Supremo Tribunal Federal (STF) investigasse Salles — o procedimento é relatado pela ministra Cármen Lúcia, que poderá decidir pela abertura de um inquérito. Saraiva afirma que nunca havia presenciado comportamento semelhante por parte de autoridades desde que passou a integrar a corporação. O senador Telmário Mota (PROS-RR) também foi incluído na notícia-crime.

—Ele (Salles) estaria atuando e favorecendo os madeireiros, e isso foi feito de uma forma muito explícita. Tem vídeo dele apontando para a placa de uma empresa investigada e que, segundo ele, “estava tudo certinho”. Na verdade, em relação a esta empresa, já existia até laudo pericial apontando as ilegalidades cometidas — disse Saraiva, que comunicou ao STF a suposta “prática de obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do poder público”.

Segundo o delegado, a movimentação do ministro teria ocorrido no início do ano, após a PF realizar a maior apreensão de madeira da história na Amazônia, na divisa do Pará com o Amazonas, durante a Operação Handroanthus. Salles foi à área onde a madeira está apreendida e chegou a fazer críticas à operação.

—Num primeiro momento, ele colocou em dúvida o trabalho da PF. Em um segundo, foi uma conduta que patrocinava justamente a ação dos criminosos. Quando recebemos os documentos dos madeireiros e analisamos, verificamos ainda mais fraudes — afirmou Saraiva, justificando a notícia crime:

— Isso não era uma opção pra mim. É um poder dever. Era uma obrigação.

Em crítica a Salles, Saraiva declarou ainda que o ministro foi o primeiro, desde 2011, a interferir tão expressivamente no trabalho feito pelo delegado na PF do Amazonas. A corporação, segundo Saraiva, costumava deflagrar operações em parceria com o Ibama, o que deixou de acontecer “gradualmente” nos últimos dois anos, desde que Salles chegou ao governo federal.

—Nenhum outro ministro fez o que foi feito agora. O braço do ministério é o Ibama e o ICMBio. Nas operações da PF, a gente prefere fazê-las junto com o Ibama, porque as ações administrativas e punitivas dele complementavam o trabalho nosso — afirmou Saraiva, destacando: —Faz muita falta não ter o Ibama em campo.

Desde a denúncia feita por Saraiva, na semana passada, o ministro Ricardo Salles e o senador Telmário Mota negam as acusações.

“IMAGINEI QUE FOSSE FICAR”

Questionado se foi surpreendido pela própria substituição, o delegado afastado lembrou que há uma expectativa de trocas “toda vez que muda o diretor-geral” da PF. No início do mês, o delegado Paulo Maiurino foi escolhido para chefiar a corporação no lugar de Rolando de Souza, que estava há quase um ano no cargo. Saraiva, no entanto, esperava ter permanecido em suas funções, dada a importância da área em que atuava:

—Como eu sou um dos que mais atua nessa parte de meio ambiente e como tem uma situação grave e urgente, eu imaginei que fosse ficar — ponderou o delegado.

Apesar da expectativa frustrada de permanência, Saraiva evitou tratar o afastamento como uma punição pelas acusações a Salles e ao senador:

— Não posso e não irei fazer especulações sobre isso. O colega que me substituiu no cargo (Leandro Almada) é um ótimo delegado.