O Globo, n. 32035, 22/04/2021, Sociedade, p. 13

 

‘Platô’ três vezes pior
Rafael Garcia
22/04/2021

 

 

 

O Brasil vive na segunda semana de abril um fenômeno similar ao de maio do ano passado. Em vez de se desenhar um pico no número de mortes por Covid-19, o país entra em um “platô” no qual as estatísticas não pioram, mas resistem a dar sinais de melhora. Com média semanal de quase 3.000 mortes por dia, porém, essa aparente estabilidade se dá no triplo da altitude vista em 2020.

Regionalmente, a situação é mais diversa, porque, enquanto algumas cidades já começam a ver algum sinal de recuo, outras estão piorando. Num recorte observando os cem municípios mais populosos do Brasil (que abrigam 40% da população geral do país), 47 deles já conseguiram reduzir o pico de óbitos por Covid-19 de 2021 a mais da metade. Os outros 53, porém, ainda penam para fazer o número cair de modo consistente. Em 19 deles o número ainda está em ascensão, mostram dados reunidos pelo projeto Brasil.IO.

Quando se leva em conta o número de casos notificados de Covid-19 ou de SRAG (síndrome respiratória aguda grave), a perspectiva é um pouco melhor. Esses dados mostram uma tendência mais recente que as mortes, porque as mortes ocorrem tipicamente três semanas depois dos sintomas dos pacientes. Mas essa aparente melhora, na opinião de especialistas, pode ser comprometida.

— A gente está num momento muito delicado agora, porque a gente tem uma melhora, mas é uma melhora em relação a um extremo em que estávamos — diz Marcelo Gomes, coordenador do projeto Infogripe, da Fiocruz, que monitora epidemias respiratórias.

— O risco é a gente achar que por estarmos saindo de uma situação totalmente dramática, estamos entrando num cenário de tranquilidade, porque estamos muito longe disso.

RJ EM ASCENSÃO

A média móvel de sete dias do número diário de mortes por Covid-19 no país está em 2.787, e sofreu pouca oscilação (menos de 15%) nas últimas duas semanas.

Ontem, foram registradas 3.157 mortes por Covid-19, o que eleva o número de óbitos para 381.687 no Brasil, segundo dados reunidos pelo consórcio de veículos de imprensa formado por O GLOBO, G1, Folha de S.Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo.

Em São Paulo, o mês de abril já é o mais letal a nove dias de seu fim, com 15.975 vidas perdidas.

O cenário também é diverso quando se olha para os estados como um todo. Das 27 unidades da federação, 8 estão com o número de óbitos em viés de elevação nas últimas duas semanas, 8 estão com os números em queda, e 11 estão em situação de estabilidade (variação menor que 15%).

O Rio de Janeiro é um dos estados onde o número de óbitos ainda está em ascensão, apesar de já dar sinais de queda no número de casos de SRAG. A capital se afastou pouco da semana mais mortal do ano, com 863 óbitos, e mortes em 6 municípios fluminenses grandes ainda estão em escalada.

Segundo Gomes, é preocupante ver o Rio sendo palco de decisão judicial que afrouxa medidas de contenção da pandemia, como restrições ao comércio, enquanto a tendência de queda não se confirma no município e as mortes permanecem em alta.

—Já se passou um ano, seguimos cometendo os mesmos erros e temos que continuar repetindo as mesmas coisas —diz.

As análises do Infogripe corroboram o que outros grupos de pesquisa, como o Observatório Covid-19 BR, mais concentrado em São Paulo, enxerga. Dados do grupo mostram que a queda nos índices de SRAG ainda não é consistente, porque, em vários dos lugares onde os casos diminuíram, a tendência de redução já desacelerou para estacionar em patamares acima dos do ano passado.

CENÁRIO NO INTERIOR

Minas Gerais também está entre os estados onde os óbitos ainda crescem, com 4 das 8 maiores cidades ainda em escalada. Quando a epidemia se agravou em março, o governo colocou várias regiões em estado de “onda roxa”, com medidas de contenção mais rígidas e obrigatórias. Mesmo com as mortes ainda em alta na semana passada, algumas cidades grandes, incluindo Belo Horizonte e Contagem, puderam regredir para a onda vermelha, menos exigente.

Segundo Wesley Cota, especialista em modelagem epidemiológica na Universidade Federal de Viçosa, uma diferença da epidemia deste ano em relação à do ano passado é que o interior não precisou “importar” vírus das capitais para ver a situação se agravar. Como o patógeno nunca chegou a níveis baixos em nenhuma região, bastou ocorrer um relaxamento das medidas de contenção na virada do ano para o estado inteiro ver a situação se agravar.

— Neste ano tem muito município pequeno confirmando mais óbitos agora, com os leitos de UTI ficando ocupados, e doentes precisando buscar leitos fora — afirma o pesquisador.

Segundo Paulo Lotufo, epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da USP, a sincronia entre capitais e interior é uma característica importante da epidemia de 2021.

— Não existe aquela diferenciação nítida, como havia em 2020. Para entender as diferenças o melhor é avaliar cada região metropolitana e comparar —afirma.